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Parte da esquerda brasileira vive “fora da realidade”, diz documentarista no Festival de Biarritz
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Como todos os anos, o Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz abre espaço para discussões políticas e a situação da democracia brasileira foi o assunto de um debate, no domingo (22). O historiador francês Olivier Compagnon recebeu o documentarista Ivan Cordeiro e a produtora Sara Silveira para falar sobre os avanços e os problemas persistentes no Brasil, dois anos após a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder.
Maria Paula Carvalho, enviada especial da RFI a Biarritz
O professor de História Contemporânea na Universidade Sorbonne Nouvelle (Instituto de Estudos Avançados Latino-Americanos) Olivier Compagnon abriu o encontro com o público perguntando sobre a “resistência atual e uma certa decepção com relação ao presidente Lula no Brasil” que, segundo ele, não “consegue diminuir a desigualdade e melhorar a educação” no país.
O documentarista Ivan Cordeiro, que apresenta em Biarritz o curta-metragem “A Visita”, com sequências de arquivo em Super 8 (formato cinematográfico de fitas desenvolvido nos anos 1960) restauradas da visita de Lula ao Recife durante a campanha eleitoral de 1982, começou argumentando que a situação do Brasil está melhor hoje.
“A democracia brasileira está bem, graças a Deus, com o retorno de Lula como presidente. Mas é muito difícil consertar quatro anos do bolsonarismo no Brasil. Então, ele está tentando reconstruir todos os laços democráticos que havia antes que o golpe aconteceu”, disse.
“Mas é impossível para o Lula ter uma resposta imediata para a solucionar todos os problemas, porque está além do que ele pode fazer, uma vez que todo o sistema internacional de finanças não é controlado por ele, mas por uma oligarquia que não somente retém o poderio monetário do mundo, assim como todas as mídias do mundo”, observou Ivan Cordeiro em entrevista à RFI.
Cordeiro falou, no entanto, sobre a necessidade de um reposicionamento de parte da esquerda no Brasil. “A esquerda brasileira, a ultraesquerda, ainda é aquela esquerda completamente fora da realidade”, destacou. “Ainda acreditam que a Rússia é um país comunista e certas coisas. Então, a esquerda brasileira tem que se coadunar realmente com a situação mundial, que é outra”, continuou. “Não existe mais comunismo no mundo, o que existe são ditaduras capitalistas que usam o comunismo para se beneficiar”, afirmou o documentarista que vive em Los Angeles, nos Estados Unidos, há 43 anos.
A crise venezuelana também foi discutida em Biarritz: “O problema da Venezuela é um problema muito sério, porque não somente existe a ditadura de direita, como existe a ditadura de esquerda. Então, eu acho que o Lula fica um pouco na gangorra, né? Ele não sabe se concorda com o lado da direita ou com a esquerda. E penso que ele tem que ter uma mensagem certa, sincera, do que realmente é a Venezuela. O que está por trás disso tudo com o sistema da Venezuela?”, questiona. “Mas também tem o outro lado da pressão internacional, justamente dos Estados Unidos, que ditam um sistema contra a Venezuela de sanções e que dificulta muito qualquer governo, seja o de Maduro, seja outro que não uma pessoa escolhida pelos Estados Unidos com fins econômicos e petrolíferos”, completa.
O filme “A Visita”, que concorre na categoria curta-metragem em Biarritz, foi remasterizado em Los Angeles e apresenta uma versão de Lula pouco conhecida, segundo o diretor. "Em 1982, o Lula veio para o Recife para ajudar na campanha política de certos candidatos do PT. Ele era líder do Sindicato dos Metalúrgicos, ainda não era candidato a nada. Então, eu tive a oportunidade de passar um dia com ele. É uma espécie de home movie com Lula, com essas imagens muito intimistas, em que a gente pôde ver muito da personalidade dele: aquela pessoa que escuta mais do que fala e somente fala quando realmente tem uma mensagem para dar”, destaca.
"O ódio tem que ser exterminado"
A produtora de cinema Sara Silveira, que veio a Biarritz apresentar o longa-metragem “Cidade; Campo”, também participou do debate no antigo Cassino de Biarritz. “O Brasil ainda está numa situação muito conturbada. Nós tivemos quatro anos de um governo de extrema direita que fez muito mal ao Brasil culturalmente, mas também socialmente”, contou ela diante de uma plateia formada por amantes do cinema e estudantes.
“Então, nós estamos num período de reconstituição geral de tudo, porque quando esse novo governo Lula chegou ao governo, nem salas mais havia. Não tinham mais equipamentos culturais, nada”, lamenta. “O Brasil tem uma economia criativa monstruosa. As possibilidades são enormes. O país é diverso, com muito mais jovens e tem tudo para dar certo. Nós precisamos é ter pessoas que nos levem a esse caminho”, completa.
Em entrevista à RFI, Sara Silveira também explicou sobre a polarização política atual na sociedade brasileira. “A questão das fake news, essa indústria de fake news, esse lado obscuro da internet que veio para melhorar o mundo, mas que permite a essas pessoas desumanas utilizarem este método para proclamarem essa polarização e esse ódio que tem que ser exterminado”, acredita.
Aos 74 anos, com mais de 50 filmes realizados na carreira, a produtora ainda falou sobre o combate à corrupção, que considera endêmica no Brasil, e sobre o momento vivido pela esquerda brasileira. “Não acho que a esquerda fez ainda essa reflexão que a gente está querendo, que a gente está esperando. Eu, inclusive aqui, aproveito para dizer à esquerda: nós todos que lutamos por essa via de pensamento no mundo temos que humanizar, buscar a honestidade, dar o máximo que nós pudermos em nossas ações”, afirma.
“Eu acho que a autoanálise não está sendo feita, ainda tem muito trabalho mesmo. A esquerda tem muito trabalho. A esquerda no Brasil não é aquela união perfeita”, lamenta. “Nós precisamos, inclusive, é garantir que estes governos mais humanos permaneçam lá e que aprendam com esses erros, é isso que eu espero com o Lula, que aprenda com tudo o que aconteceu lá”, conclui Sara Silveira.
Por fim, a produtora destaca o caminho da educação para levar o Brasil a um novo patamar de desenvolvimento. "Essa é questão, de formação mesmo, é a educação. Precisa começar por baixo, na escola, na base, que eu acho que é o que o Brasil precisa. É um trabalho de base, entendeu?", finaliza.
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Como todos os anos, o Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz abre espaço para discussões políticas e a situação da democracia brasileira foi o assunto de um debate, no domingo (22). O historiador francês Olivier Compagnon recebeu o documentarista Ivan Cordeiro e a produtora Sara Silveira para falar sobre os avanços e os problemas persistentes no Brasil, dois anos após a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder.
Maria Paula Carvalho, enviada especial da RFI a Biarritz
O professor de História Contemporânea na Universidade Sorbonne Nouvelle (Instituto de Estudos Avançados Latino-Americanos) Olivier Compagnon abriu o encontro com o público perguntando sobre a “resistência atual e uma certa decepção com relação ao presidente Lula no Brasil” que, segundo ele, não “consegue diminuir a desigualdade e melhorar a educação” no país.
O documentarista Ivan Cordeiro, que apresenta em Biarritz o curta-metragem “A Visita”, com sequências de arquivo em Super 8 (formato cinematográfico de fitas desenvolvido nos anos 1960) restauradas da visita de Lula ao Recife durante a campanha eleitoral de 1982, começou argumentando que a situação do Brasil está melhor hoje.
“A democracia brasileira está bem, graças a Deus, com o retorno de Lula como presidente. Mas é muito difícil consertar quatro anos do bolsonarismo no Brasil. Então, ele está tentando reconstruir todos os laços democráticos que havia antes que o golpe aconteceu”, disse.
“Mas é impossível para o Lula ter uma resposta imediata para a solucionar todos os problemas, porque está além do que ele pode fazer, uma vez que todo o sistema internacional de finanças não é controlado por ele, mas por uma oligarquia que não somente retém o poderio monetário do mundo, assim como todas as mídias do mundo”, observou Ivan Cordeiro em entrevista à RFI.
Cordeiro falou, no entanto, sobre a necessidade de um reposicionamento de parte da esquerda no Brasil. “A esquerda brasileira, a ultraesquerda, ainda é aquela esquerda completamente fora da realidade”, destacou. “Ainda acreditam que a Rússia é um país comunista e certas coisas. Então, a esquerda brasileira tem que se coadunar realmente com a situação mundial, que é outra”, continuou. “Não existe mais comunismo no mundo, o que existe são ditaduras capitalistas que usam o comunismo para se beneficiar”, afirmou o documentarista que vive em Los Angeles, nos Estados Unidos, há 43 anos.
A crise venezuelana também foi discutida em Biarritz: “O problema da Venezuela é um problema muito sério, porque não somente existe a ditadura de direita, como existe a ditadura de esquerda. Então, eu acho que o Lula fica um pouco na gangorra, né? Ele não sabe se concorda com o lado da direita ou com a esquerda. E penso que ele tem que ter uma mensagem certa, sincera, do que realmente é a Venezuela. O que está por trás disso tudo com o sistema da Venezuela?”, questiona. “Mas também tem o outro lado da pressão internacional, justamente dos Estados Unidos, que ditam um sistema contra a Venezuela de sanções e que dificulta muito qualquer governo, seja o de Maduro, seja outro que não uma pessoa escolhida pelos Estados Unidos com fins econômicos e petrolíferos”, completa.
O filme “A Visita”, que concorre na categoria curta-metragem em Biarritz, foi remasterizado em Los Angeles e apresenta uma versão de Lula pouco conhecida, segundo o diretor. "Em 1982, o Lula veio para o Recife para ajudar na campanha política de certos candidatos do PT. Ele era líder do Sindicato dos Metalúrgicos, ainda não era candidato a nada. Então, eu tive a oportunidade de passar um dia com ele. É uma espécie de home movie com Lula, com essas imagens muito intimistas, em que a gente pôde ver muito da personalidade dele: aquela pessoa que escuta mais do que fala e somente fala quando realmente tem uma mensagem para dar”, destaca.
"O ódio tem que ser exterminado"
A produtora de cinema Sara Silveira, que veio a Biarritz apresentar o longa-metragem “Cidade; Campo”, também participou do debate no antigo Cassino de Biarritz. “O Brasil ainda está numa situação muito conturbada. Nós tivemos quatro anos de um governo de extrema direita que fez muito mal ao Brasil culturalmente, mas também socialmente”, contou ela diante de uma plateia formada por amantes do cinema e estudantes.
“Então, nós estamos num período de reconstituição geral de tudo, porque quando esse novo governo Lula chegou ao governo, nem salas mais havia. Não tinham mais equipamentos culturais, nada”, lamenta. “O Brasil tem uma economia criativa monstruosa. As possibilidades são enormes. O país é diverso, com muito mais jovens e tem tudo para dar certo. Nós precisamos é ter pessoas que nos levem a esse caminho”, completa.
Em entrevista à RFI, Sara Silveira também explicou sobre a polarização política atual na sociedade brasileira. “A questão das fake news, essa indústria de fake news, esse lado obscuro da internet que veio para melhorar o mundo, mas que permite a essas pessoas desumanas utilizarem este método para proclamarem essa polarização e esse ódio que tem que ser exterminado”, acredita.
Aos 74 anos, com mais de 50 filmes realizados na carreira, a produtora ainda falou sobre o combate à corrupção, que considera endêmica no Brasil, e sobre o momento vivido pela esquerda brasileira. “Não acho que a esquerda fez ainda essa reflexão que a gente está querendo, que a gente está esperando. Eu, inclusive aqui, aproveito para dizer à esquerda: nós todos que lutamos por essa via de pensamento no mundo temos que humanizar, buscar a honestidade, dar o máximo que nós pudermos em nossas ações”, afirma.
“Eu acho que a autoanálise não está sendo feita, ainda tem muito trabalho mesmo. A esquerda tem muito trabalho. A esquerda no Brasil não é aquela união perfeita”, lamenta. “Nós precisamos, inclusive, é garantir que estes governos mais humanos permaneçam lá e que aprendam com esses erros, é isso que eu espero com o Lula, que aprenda com tudo o que aconteceu lá”, conclui Sara Silveira.
Por fim, a produtora destaca o caminho da educação para levar o Brasil a um novo patamar de desenvolvimento. "Essa é questão, de formação mesmo, é a educação. Precisa começar por baixo, na escola, na base, que eu acho que é o que o Brasil precisa. É um trabalho de base, entendeu?", finaliza.
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