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A palavra ódio mata? Carlos Alberto Poiares

56:40
 
Kongsi
 

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Kandungan disediakan oleh Jorge Correia. Semua kandungan podcast termasuk episod, grafik dan perihalan podcast dimuat naik dan disediakan terus oleh Jorge Correia atau rakan kongsi platform podcast mereka. Jika anda percaya seseorang menggunakan karya berhak cipta anda tanpa kebenaran anda, anda boleh mengikuti proses yang digariskan di sini https://ms.player.fm/legal.

A linguagem tem um efeito sobre as pessoas.

E as palavras, mesmo que pareçam inócuas, entram na nossa cabeça e produzem uma influência.

Afinal, pensamos através das palavras. Os rótulos que metemos na realidade.

Palavras, imagens, gestos.

Tudo é comunicação.

Quando as palavras e as ações se conjugam para o mal, assistimos a crimes que dificilmente conseguimos perceber.

É nesse momento em que a justiça e a psicologia se juntam.

Para julgar e para entender as circunstâncias particulares desse crime.

Os crimes com motivações de ódio estão nesta grande caixa do horror humano.

Portugal pode estar a deixar de ser a exceção e a tornar-se mais um a ter de lidar com os fenómenos mais básicos da falta de respeito pela vida humana.

Esta edição é uma busca incessante à pergunta: porquê?


TÓPICOS & TEMPOS

Início (00:00:00) .

O efeito da linguagem (00:00:12) Discussão sobre o impacto das palavras e ações na comunicação e na produção de crimes de ódio.

Casos recentes de crimes de ódio em Portugal (00:01:30) Análise de casos de crimes de ódio, incluindo o envolvimento de um jovem do Porto num crime no Brasil e a disseminação de propaganda nazista através das redes sociais.

A interseção entre política, comunicação e justiça (00:11:34) Reflexão sobre a interligação entre política, comunicação e justiça, destacando a confusão crescente entre essas áreas na sociedade.

A importância da avaliação qualitativa e quantitativa por psicólogos forenses (00:15:44) Exploração da necessidade de avaliação qualitativa e quantitativa por psicólogos forenses na compreensão de casos de crimes de ódio.

A importância da avaliação psicológica (00:16:02) Discussão sobre a necessidade de avaliação psicológica em casos criminais e a confusão sobre o papel do psicólogo forense.

A interseção entre psicologia e direito (00:19:04) Exploração da importância do diálogo entre psicólogos forenses e juízes, e a necessidade de comunicação clara e compreensível.

Compreensão da personalidade do arguido (00:20:14) Análise da importância de compreender a personalidade do arguido na determinação da pena, e a necessidade de avaliação psicológica.

O papel da psicologia forense na justiça (00:24:08) Discussão sobre a neutralidade da psicologia forense e o seu papel na compreensão dos comportamentos e personalidade do sujeito.

A necessidade de diálogo entre psicologia e direito (00:26:25) Exploração da importância do diálogo entre psicólogos forenses e juízes, e a necessidade de comunicação clara e compreensível.

Facilitar o diálogo entre psicologia e direito (00:30:08) Discussão sobre a necessidade de facilitar o diálogo entre psicólogos e juristas para uma compreensão mais abrangente dos casos.

A psicologia folclórica (00:31:15) Reflexão sobre a visão popular e simplificada da psicologia e a complexidade da compreensão da natureza humana.

O papel do psicólogo no sistema judicial (00:31:20) Carlos Alberto Poiares fala sobre a importância do psicólogo como perito em processos judiciais.

A interseção entre direito e psicologia (00:32:30) Poiares destaca a importância de ter conhecimento jurídico e psicológico para trabalhar em tribunais.

A evolução da abordagem à saúde mental e justiça (00:33:28) Discussão sobre a evolução na abordagem da saúde mental na justiça, desde o positivismo até os dias atuais.

Responsabilidade penal em casos de doença mental (00:37:10) Exploração da responsabilidade penal em casos de doença mental e o papel dos psiquiatras e psicólogos.

A história da loucura e justiça (00:36:14) Poiares aborda a história da loucura, mencionando casos de internamento injustificado no passado.

A cooperação entre justiça e psicologia (00:42:25) Discussão sobre a importância da cooperação entre justiça e psicologia na compreensão de casos criminais.

Impacto da pandemia na segurança e justiça (00:43:39) Reflexão sobre o impacto da pandemia na sociedade, incluindo fenómenos de delinquência juvenil e impaciência.

Mediatização do discurso da segurança e crime (00:44:58) Análise da mediatização do discurso da segurança e do crime, incluindo a manipulação de dados sobre criminalidade juvenil.

Discurso populista e manipulação (00:47:49) Discussão sobre manipulação política, campanhas eleitorais e discurso populista.

Segurança e criminalidade (00:48:40) Reflexão sobre a questão da segurança, aumento da criminalidade e análise dos dados.

Casos sem solução na justiça (00:50:48) Abordagem sobre casos sem solução na justiça e a incerteza em alguns processos.

A verdade judicial (00:53:40) Reflexão sobre a verdade judicial e exemplos históricos de processos judiciais.

A construção da verdade (00:55:33) Discussão sobre a construção da verdade na justiça e na vida, e a distopia do mundo moderno.


As notícias ainda me ecoam na cabeça.

A primeira informa que um jovem menor, do Porto, terá sido, alegadamente, o mandante de um crime no outro lado do atlântico, no Brasil.

Uma rapariga de 17 anos morreu, em S Paulo.

Há ainda mais 5 casos em investigação, na forma tentada.

O traço comum destes casos é que foi usada uma rede social para espalhar propaganda nazi com forte componente de ódio.

Com um apelo ao recurso a massacres violentos tal como são vistos a miúde nos Estados Unidos.

Nos últioms dias aconteceram mais dois casos de violência em Portugal contra pessoas vulneráveis e migrantes em Portugal.

O mesmo padrão: o ódio, a violência, a ausência de empatia e humanidade mínima.

Quando este tipo de caso é investigado e chega a tribunal entram em cena os psicólogos forenses.

Cabe-lhes explicar o que está na cabeça destas pessoas.

O porque fizeram o que fizeram. O para o que fizeram.

Carlos Alberto Poiares é jurista, licenciado em direito e doutor em Psicologia.

Junta os saberes da lei e da psicologia e estuda os fenómenos de exclusão social e delinquência juvenil.

Fui em busca dos porquês. A começar pelo caso do jovem do Porto.

LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO

JORGE CORREIA (00:00:12) – Ora viva um. Bem vindos ao Pergunta Simples o vosso Podcasts sobre Comunicação. A linguagem tem um efeito sobre as pessoas e as palavras, mesmo aquelas que nos pareçam mais inócuas, entram na nossa cabeça e produzem alguma influência. Afinal, pensamos através das palavras, os rótulos que metemos na realidade palavras, imagens, gestos, tudo isto é comunicação. Quando as palavras e as acções se conjugam para o mal, assistimos a crimes que mal conseguimos perceber. É nesse momento em que a justiça e a psicologia se juntam para julgar e para entender as circunstâncias particulares desse crime. Os crimes com motivações de ódio estão nesta grande caixa do horror humano. E Portugal pode estar a deixar de ser a exceção e a tornar se mais um, a ter de lidar com os fenómenos mais básicos da falta de respeito pela vida humana. Esta edição é uma busca incessante à pergunta por que? As notícias dos últimos dias ainda me ecoam na cabeça. A primeira informa que um jovem menor do Porto terá sido, alegadamente, o mandante de um crime no outro lado do Atlântico, no Brasil.

JORGE CORREIA (00:01:30) – Uma rapariga de 17 anos morreu em São Paulo. E há ainda mais cinco casos a investigação na sua forma tentada. O traço comum nestes casos é que foi usado uma rede social para espalhar propaganda nazi com forte componente de ódio, com um apelo ao recurso a massacres violentos, tal como são vistos em miúdo nos Estados Unidos. Nos últimos dias aconteceram mais dois casos de violência em Portugal contra pessoas vulneráveis e imigrantes. O mesmo padrão o ódio, a violência, a ausência de empatia e humanidade. Quando este tipo de caso é investigado e chega a tribunal, entram em cena os psicólogos forenses. Cabe lhes tentar explicar o que está dentro da cabeça destas pessoas, porque fizeram o que fizeram e para que é que o fizeram. Carlos Alberto Poiares é jurista e licenciado em Direito e doutor em Psicologia. Ele junta os saberes da lei e da psicologia e estuda os fenómenos da exclusão social e da delinquência juvenil. Fui em busca dos porquês, a começar pelo caso do jovem do Porto. Trata se daqueles fenómenos que.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:02:38) – Felizmente, no nosso país não estamos habituados a ver.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:02:42) – São mais notícias que vêm dos Estados Unidos ou de outros pontos que achamos sempre muito distantes do nosso. Mas de vez em quando isto também nos cai dentro de casa. E este é um exemplo, primeiro lugar, do que é a capacidade organizativa de uma pessoa muito jovem, utilizando as tecnologias que tem, como todas, a vantagens e inconvenientes. Aqui eu uso a tecnologia para criar uma parceria, para se afirmar também porque há sempre um desejo de reconhecimento social quando estes casos aparecem com nome assinatura, ainda por cima quando se prevê a transmissão em directo que paga, ainda para mais como forma de divulgar os seus feitos, feitos esses que, tendo sido gorado o segundo, que era o assassínio de um sem abrigo, de uma pessoa muito vulnerável, o que ainda agrava mais a responsabilidade, mas já tinha sido usado e levou à morte de uma rapariga. Portanto, nós estamos aqui a assistir a um panorama incomum em Portugal, infelizmente já vulgarizado noutras paragens, que tem uma base de crime de ódio subjacente. Repare quando isto passa de uma situação de uma rapariga, eu não sei quais seriam os alguns aspetos específicos que houvesse ou não dessa rapariga, mas agora estamos a falar de um crime contra uma pessoa extremamente fragilizada, sem condições de defesa, vivendo em condições de miséria e no fundo era o grande gáudio.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:04:24) – Era conseguir matar com requintes de crueldade. Ou seja, matar já é muito mau. Mas aqui ainda fazendo acrescer a factores que reforçassem a dureza da dos atos criminais.

JORGE CORREIA (00:04:39) – Na minha percepção, é um fenómeno de violência gratuita, porque estas pessoas não se conhecem. Portanto, não há, em princípio, um móbil, uma vontade, 1A1.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:04:51) – Motivação que é que é doentia. Nós estamos a falar de situações em que as pessoas têm necessariamente que está doentes. Há aqui um problema porque quando nós falamos de saúde e a deduzimos em saúde física e saúde mental e ligamos muito pouco à saúde mental, normalmente nós esquecemo nos que grande parte dos atos, quer criminais, quer meramente transgressivo, incivilidades, etc. Que representam o adoecimento social, porque a saúde também interessa no plano social. Não estou fora da saúde pública, estou a falar da saúde da comunidade, que é também o aspeto de saúde das normatividades. E é isto que falha. Só que aqui vai de uma maneira estrondosa. Trata se de um crime. Poderíamos qualificar de hediondo já praticado outro que estava prestes a entrar em execução e sabe Deus os que estariam na calha para também acontecer.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:05:46) – Portanto, há aqui a componente do ódio que eu lhe referi. Subjacente a tudo isto, há uma ideologia totalitária nazi, portanto, as ideias do extermínio que para os nazis, para os fascistas e para uns tantos mais, foram sempre ideias que optaram por lidar com elas e trabalhá las. Há, portanto, aqui essa componente de ódio que está a fomentar se em muitos países do mundo e onde as redes sociais têm tido um papel preponderante. A sua difusão é que nós vamos vendo também. Dantes, dizia se que Portugal ainda estava livre dos núcleos. Extrema-Direita Nunca estivemos completamente, nunca estivemos. Logo a seguir ao 25 de Abril, pouco depois começaram a aparecer os grupos de extrema direita, desde o MIR do Kaúlza até grupos de outros que ainda andam por aí.

JORGE CORREIA (00:06:41) – Mas esta violência tem alguma coisa a ver com política?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:06:43) – Esta violência está muitas vezes associada e, segundo foi noticiado, era o caso também deste jovem português com a ideologia nazi. Portanto, há uma componente natureza política subjacente a tudo isto. Será difícil para nós percebermos objectivos políticos a extrair daqui, mas ai nós temos visto como grupinhos de extrema direita em Portugal também têm cometido crimes violentos.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:07:09) – Tivemos logo a seguir no Porto um crime contra imigrantes e que com aquela nossa as vezes falta de sensibilidade social que ainda vai existindo em Portugal. Houve responsáveis políticos que vieram quase acusar ou os imigrantes ou a agência AIMA, esquecendo que tinha havido um crime. Por muito mau que funcionem as instituições, por muito mau clima funcione. E não estou a dizer que funciona ou deixa de funcionar. Não tenho informação sobre isso, mas é de uma irresponsabilidade, tremenda irresponsabilidade política e social políticos no activo virem para a televisão e, em conferência de imprensa dizer ah, como é que funciona mal. Quer dizer, as vítimas aqui parece que já não têm interesse. Há que tirar dividendos políticos atacando uma instituição. Isto é do mais baixo que se pode encontrar numa sociedade.

JORGE CORREIA (00:07:58) – E se legitima socialmente. Um tipo de violência.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:08:01) – Legitima coisa nenhuma. Só que é esconder o sol atrás da montanha, ou seja, a deixamos ao lado a violência que foi aquele crime. Não falamos muito da irresponsabilidade de quem o cometeu, mas vamos acusar uma instituição.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:08:17) – O problema daquele crime não é porque há imigrantes e esse é um outro debate. E os imigrantes fazem nos muita falta. Mas não é porque há imigrantes. Aquilo que se passou no crime foi um grupo bárbaro que decidiu atacar, espancar uma série de pessoas. Podiam ser imigrantes, podia ser o dr. Ou podia ser eu, mas que decidiram fazer aquilo. E nós não podemos passar ao lado. Isto não é deslocando a responsabilidade para uma agência que funciona bem e funciona mal para mim. E não, não está em causa neste momento, mas é desviar o assunto em vez de se querer responsabilizar aquilo que são os energúmenos que terão alegadamente cometido aquele atentado e que provocaram aqueles efeitos todos. Vamos tapar o sol com a peneira e remeter isto para outra esfera.

JORGE CORREIA (00:09:03) – Com aquela ideia de que a culpa é sempre do outro, é sempre do estrangeiro.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:09:07) – Repare que este comportamento, e não estou a falar apenas do presidente da Câmara do Porto, estou a falar de não sei se a conferência de imprensa não se ouvia, apenas via rádio.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:09:16) – Não é disso que estou apenas a falar também, mas não apenas. E depois, toda uma quase justificação que é feita como se fosse importante neste caso, que exista uma agência que funciona assim ou assado. Isto é quase o mesmo que foi parar o carro num estacionamento proibido e se legitimar quem venha atrás de com o martelo e escavacar tudo. Quer dizer, nós estamos muitas vezes a confundir as coisas. Isto politicamente pode dar dividendos. Onde é que não há? Também não está provado que os dê, mas a verdade é que isto constitui uma forma de escamotear o que é a base do problema. E a base do problema divide se em crimes de ódio, em racismo profundo e em xenofobia. É isso. Por exemplo, o Porto levou, No caso do rapaz, as notícias que houve é que ele estaria imbuído das ideias neofascistas, nazis, etc. Estou a referir apenas aquilo que li na imprensa, mas com substrato ou não de natureza político ideológica, Nós estamos num caso e noutro, perante situações gravíssimas de crimes.

JORGE CORREIA (00:10:26) – E lá está, aqui a comunicação. Este é um podcast sobre comunicação. Está a jogar um papel chave também porque há uma maneira agora muito facilitada através da internet, através das redes sociais. Há uma maneira de contágio de passagem dessa propaganda que depois acaba nestes nestes crimes.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:10:46) – Só que a internet, o Facebook, as redes sociais todas transformaram cada cidadão num jornalista. Há e cada cidadão sente se no direito de escrever as mentiras que entender. Quando há campanhas eleitorais, nós vemos como se reforça o índice de mentira.

JORGE CORREIA (00:11:03) – Isso não é bem.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:11:03) – Jornalismo, não é? Mas isso não é jornalismo, isto é o sentido popularucho. E foi por aí que eu comecei. As redes sociais fizeram de cada indivíduo aspas, um jornalista com o destilar de todos os ódios, de todas as frustrações para a internet. E o pior é que há sempre pessoas que lêem e que acreditam no campo da comunicação social. Há que pensar muito e refletir muito sobre a comunicação, a política e sobre a comunicação e a justiça, sobretudo quando nós vivemos numa sociedade.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:11:34) – E eu estou a falar de Portugal, mas não apenas. Já vimos isto em Espanha, em França e em vários outros pontos da Europa. Nós vivemos numa sociedade onde política e justiça se estão a confundir cada vez mais e onde a justiça se converteu num actor do processo político. E nós já vimos isso muitas vezes desde a chamada guerra suja contra a ETA em Espanha, até ao caso, por exemplo.

JORGE CORREIA (00:11:58) – O francês Baltasar.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:11:59) – Garzón, que na.

JORGE CORREIA (00:11:59) – Altura apareceu, o.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:01) – Garçon também que se transformou primeiro juiz.

JORGE CORREIA (00:12:04) – E depois, como diz a televisão.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:06) – E o Sérgio Moro, que depois foi para o governo. Depois de pôr na cadeia o principal opositor, foi para o governo, do tipo que ajudou a chegar ao Planalto.

JORGE CORREIA (00:12:18) – O professor é um especialista em justiça e vê isso com preocupação. O facto de haver.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:25) – Mais uma vez.

JORGE CORREIA (00:12:26) – Uma interligação quase de vasos comunicantes entre estas duas áreas.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:29) – Vejo muita preocupação e, como disse, há quase aqui um princípio de vasos comunicantes. Nós não temos uma justiça como a comunicação sóbria.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:38) – Não temos. E há que chamar os bois pelo nome. Temos uma comunicação de justiça que é muito má. E nós vimos isso, por exemplo, com o comunicado que deu origem à demissão do anterior primeiro ministro. É um caso péssimo de comunicação. Certamente não foi nenhum jornalista encartado que fez aquilo, porque se fosse então o caso ainda seria mais grave. Mas temos uma comunicação má, mas má, em diversos domínios. É verdade que os cidadãos têm necessidade de saber o que se passa na Justiça. É um direito que nos assiste, mas uma comunicação que seja primeiro, exata, rigorosa e, em segundo lugar, que seja, tanto quanto possível, de proveniência autêntica dos próprios órgãos de justiça.

JORGE CORREIA (00:13:22) – Nós possamos verificar quem é que é a fonte e que nos explica o que é que está a acontecer.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:13:26) – Exactamente e não só por meio de palavras. Aquele ponto do comunicado da Procuradoria Geral da República parece quase escrito em Morse, mas tem ali, só na evidência, aquilo que era o suficiente para provocar o que provocou.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:13:39) – Não estou com isto a dizer que houve uma intencionalidade política, mas houve um efeito político. E de boas intenções está o inferno cheio. Como todos sabemos, o efeito foi político. Se a intenção era a história o dirá, porque a história normalmente esclarece sempre isto poderá não ser na sua vida, nem muito menos na minha. Pode demorar.

JORGE CORREIA (00:13:57) – Algum tempo a aparecer os.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:13:59) – Netos já estarem na idade da reforma. Seguramente que alguém perceberá o que se passou.

JORGE CORREIA (00:14:04) – Então mas quando vier uma explicação assim, tarde demais. Anos volvidos, essa é uma justiça e uma justiça que se pode tornar injusta.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:14:12) – Só que este é o problema da história. Muitas vezes a verdade é destapada quando já morreram todos os protagonistas e só interessa aos historiadores e aos bichinhos de biblioteca que andam a encher o nariz de pó nas poeiras dos arquivos.

JORGE CORREIA (00:14:29) – Portanto, já não interessa para nada para a nossa vida.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:14:30) – Interessa para a nossa? Não, mas interessa para que. Hoje há muita coisa que nos interessa da história da expansão ou da nossa história, do liberalismo que vão surgindo e que nos interessam ainda.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:14:43) – Já não faz justiça àqueles que sacrificaram. E quantas vezes vemos pessoas que foram vítimas do homicídio estatal através da pena de morte e que são reabilitadas já depois de mortos? O Galileu foi reabilitado ao fim de quantos anos? Foi João Paulo segundo que o reabilitou? Portanto, fica. Digamos que a vitória moral, como acontece com alguns clubes de futebol.

JORGE CORREIA (00:15:05) – Posso? Eu posso recentrar a nossa conversa porque tenho uma curiosidade. No caso deste jovem adolescente do Porto, o do crime no Brasil, o alegado crime no Brasil, Estamos todos tranquilos. É possível fazer um perfil desta destas pessoas?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:15:26) – Ora bem, eu já vi algumas pessoas dizerem com as palavras todas que é que acham que é aquele indivíduo? É uma temeridade e já não se pode caracterizar ninguém. Não se pode definir uma personalidade sem fazer uma avaliação.

JORGE CORREIA (00:15:42) – Como é que se faz este tipo de avaliação?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:15:44) – Avaliação Aqui há psicólogos forenses. Muitos foram meus alunos especializados nisso. É preciso fazer uma avaliação. Qualitativa e seguramente quantitativa, passando por sessões de entrevista com o sujeito para captar a discursividade.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:16:02) – O que ele sente em relação a isto? Enfim, há protocolos para isso e há modelos de entrevista que são utilizados nesse contexto. E provavelmente, eu diria seguramente, uma avaliação psicométrica para confirmar ou infirmar as suspeitas que ficarem na cabeça dos psicólogos. Depois de organizarem as entrevistas com estes sujeitos.

JORGE CORREIA (00:16:27) – O psicométrica, que é uma máquina da verdade, por exemplo. Não, não, não, não.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:16:30) – São testes numa máquina da verdade.

JORGE CORREIA (00:16:32) – Por isso eu estava a tentar perceber se havia reações fisiológicas aos testes.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:16:37) – Os instrumentos utilizados em psicologia forense, alguns não apenas em psicologia. França, por exemplo, inventários da personalidade para saber quem é este sujeito. Porque o problema da avaliação psicológica é sobretudo perceber quem é este indivíduo. E quando estamos num caso criminal, com esta gravidade capaz para que a justiça seja justa e a raiz da sua função. É necessário saber se o quem deste caso, daquele jovem, etc. Por isso a avaliação é, eu diria que imprescindível na grande maioria dos casos que passam pelo Tribunal Criminal.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:17:14) – O problema é que muitas vezes, no nosso país as instâncias mandam um relatório social e os juízes que não têm a obrigação de saber psicologia contentam se com isso. E ninguém se deve contentar com pouco, muito -1 juiz.

JORGE CORREIA (00:17:29) – Não chega.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:17:30) – O relatório tem que ser uma avaliação psicológica. O ator social é feito por assistentes sociais que fazem um belíssimo trabalho, é verdade, mas não fazem avaliação psicológica, até porque não têm competências para isso. Como psicólogo não tem competências para fazer relatórios sociais, isto é uma Uma área que deve ser trabalhada por psicólogos com formação universitária em psicologia forense. Não é um psicólogo qualquer, é um que saiba daquilo, porque nós em Portugal, infelizmente, temos muita mania. Psicólogo e psicólogo faz tudo como se fosse ali a costureira da esquina. Não, não é bem assim. E nós sabemos que é muito diferente o que se faz desde princípios éticos que regulam uma atividade forense e outra não forense, até aos princípios da responsabilidade do psicólogo dos meios de avaliação. Tudo isso, mas infelizmente, em Portugal ainda se confunde na psicologia muito estas coisas.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:18:22) – É quase como a existência do João semana. Antigamente, na medicina o médico faz tudo. Hoje quem tem uma dor de dente não vais traumatologista, ou melhor, não vai ao aparelho tratar o aparelho gástrico a uma pessoa. Se tem uma dor de dente, vai ao estomatologia, esta vai ao dentista, vai a essas especialidades, não vai ao reumatologista, embora o dentro também seja um osso. Portanto, na psicologia ainda existe aqui uma confusão que deve ter algum interesse. Mas que interesse? Estudo tem muito que não resolve as coisas e os tribunais, felizmente, começam a perceber que têm de ter psicólogos especializados naquilo. São pessoas que devem fazer aquilo e não perder tempo a fazer outras coisas.

JORGE CORREIA (00:19:02) – E que apoiam os juízes. No fundo, na sua.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:19:04) – Decisão, os juízes que apoiam os advogados também. Porque, repare, os advogados e os juízes muito raramente tiveram uma cadeira de psicologia na universidade. Digo muito raramente porque existiu isso aqui na Lusófona durante alguns anos. Duas cadeiras de psicologia na licenciatura em Direito. Quando Freitas do Amaral foi director da Faculdade de Direito, convidou me para dar à psicologia jurídica uma cadeira.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:19:27) – Mas não é comum ainda e neste momento, o Instituto Teixeira Gomes, no Algarve, também dispõe de uma cadeira de Psicologia Forense em Direito. Mas mesmo que a tenham feito, isso não permite a aquisição de conhecimentos necessários para o juiz. E o advogado e o procurador perceberam uma série de coisas.

JORGE CORREIA (00:19:45) – Até porque tem decisões difíceis para tomar. Tem que conseguir compreender o que é que está a acontecer.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:19:49) – Código Penal manda porque nós temos, felizmente, um dos melhores, mais modernos códigos penais, apesar de já termos comemorado os 40 anos dele. Publicado em 82, entrada em vigência em 83 e esse Código Penal diz lá que é necessário atender à personalidade do arguido quando se fixa a pena. Portanto, aqui não. Não temos o pronto a vestir das penas, mas temos a adequação à clínica da pena ao sujeito.

JORGE CORREIA (00:20:14) – Então não vamos estar à procura de que alguém tenha cometido um crime e, em princípio, os crimes são todos iguais e logo as penas também.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:20:22) – Já nos anos 40, 48, salvo erro, a Delfim Santos publicava um artigo em dois actual no Boletim da Ordem dos Advogados.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:20:34) – Há, aliás, na revista da Ordem dos Advogados em que ele dizia uma coisa curiosa a não podemos estar a igualizar as penas para todas as pessoas ao lado clínico individual de cada pena. E estou me a lembrar, por exemplo, de Sílvio de Lima. Em 1958, no manual, quando a Psicologia ainda era proscrita em Portugal. No manual ele falava duas páginas de psicologia criminal e criminologia e dizia uma coisa que eu gosto muito de citar, sobretudo quando falo para os atores judiciários O juiz tem que ser inteligente porque encontra uma lei abstrata que tem que aplicar a um caso concreto.

JORGE CORREIA (00:21:14) – E não é fácil.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:21:15) – Não é fácil este momento de singularização. É o momento que nos diferencia daquilo que foi a arquitetura liberal de justiça, em que a pena era fixa, era igual para todos os crimes. Nós hoje temos que olhar muito mais a quem cometeu.

JORGE CORREIA (00:21:29) – E ao contexto e as razões que que com.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:21:31) – Interações. Porque repare que o crime normalmente não é o caso do crime deste rapaz, em princípio. Mas o crime decorre no seio de interações entre vítima e transgressor.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:21:43) – No caso do rapaz, como digo, não sei se aquela rapariga foi escolhida por mero acaso, aleatoriamente, ou se havia uma indicação. Temos que provocar a morte dela. Não faço ideia que.

JORGE CORREIA (00:21:54) – Perguntas é que o professor tem quando olha para este caso. Se tivesse essa possibilidade de fazer essa análise e se esse profiling do que é que aconteceu? Mais do que a personalidade, mas também daquilo que aconteceu? Que perguntas é que é que consideraria fundamentais as.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:22:11) – Perguntas aqui que seriam fundamentais? Porque? Outra. Para que o porquê?

JORGE CORREIA (00:22:17) – Logo, uma pergunta muito difícil, não é?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:22:19) – Mas a resposta, se fosse dada, poderia haver o mutismo. Mas se fosse dada uma resposta, seria muito para se interpretar o porquê, o para quê? No fundo, aquela pergunta muito popular Queres tu ganhas com isto? E depois, como é que se sente depois disto tudo? Só que uma vez um rapaz estava acusado de um homicídio. Estava em prisão domiciliária quando as psicólogas lhe perguntaram como é que se sente em relação a tudo isto.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:22:56) – Ele deu me uma resposta muito interessante. Sinto mal. Tal como dos diabos, eu não posso ir à praia.

JORGE CORREIA (00:23:05) – Que é uma resposta completamente. Posso usar a palavra lunática que não faz sentido, não é?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:23:12) – Tem um profundo desprezo pelo outro e pela vida do outro. Não me preocupava ter matado um sujeito, ainda por cima da família. É uma.

JORGE CORREIA (00:23:21) – Indiferença.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:23:22) – Uma indiferença. O que me preocupava. E está um sol bestial para 30 e tal graus. Estou aqui em casa com calor, não posso ir à praia. Esta era a grande preocupação. Mas uma afirmação destas, verbalizada a duas psicólogas forenses, como foi o caso, diz nos muito do sujeito. Portanto, aqui não estou a dizer as perguntas que deveriam ser feitas. Há aqui três perguntas que deveriam estar incluídas que eu gostaria imenso de ter uma resposta O porquê, para quê e para quê? E como é que se sente agora? Porque isto aqui já nos daria alguns indicadores. Porque, repare, eu quando falo numa avaliação psicológica, não tem intenção nem de atenuar penas nem das agravar.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:24:07) – A psicologia é uma ciência.

JORGE CORREIA (00:24:08) – Tentar perceber o que é que aconteceu.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:24:10) – Exatamente e por uma da compreensão, porque a psicologia forense serve para compreender e depois poder explicar o que esteve por trás. Eu digo às vezes aos meus alunos de psicologia e particularmente agora aos de criminologia. A avaliação não vai, não é parcial, é uma ciência, tem um método rigoroso e é uma ciência. Como tal, é neutral naquela questão. Tem que dar respostas sobre aquilo que é o sujeito da sua personalidade e como é que existem os comportamentos que ele assumiu encaixam nesse lastro da personalidade. Porque a psicologia forense não nasceu nem para crucificar ninguém, nem para quem edificar.

JORGE CORREIA (00:24:56) – E não acaba por fazer isso de alguma maneira, se.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:24:59) – Não o reparo, quem decide é o juiz. O juiz está no seu direito de aceitar ou não aceitar aquilo que sejam as informações enviadas pelo. Pelos técnicos.

JORGE CORREIA (00:25:14) – Estão a gostar do pergunta simples. Estão a gostar deste episódio? Sabia que um gesto seu me pode ajudar a encontrar e convencer novos e bons comunicadores para gravar um programa? Que gesto é esse? Subscrever na página? Pergunta sempre Pronto, Como tem lá toda a informação de como pode subscrever? Pode ser por email, mas pode ser ainda mais fácil subscrevendo no seu telemóvel através de aplicações gratuitas como o Spotify, o Aple ou o Google Podcasts.

JORGE CORREIA (00:25:43) – Assim, cada vez que houver um novo episódio, ele aparece de forma mágica no seu telefone e é a melhor forma de escutar a pergunta simples. Provavelmente o professor já foi várias vezes a tribunal, na condição de perito, dar a sua opinião sobre sobre casos ou sobre coisas que investigou. Como é que é esse diálogo entre um especialista que ainda por cima é um homem que percebe de direito, mas entre um homem que percebe de psicologia, deste cruzamento de saberes, entre a psicologia do direito e a relação com com um juiz que possa ter ideias muito próprias sobre as coisas menos científicas e mais na base da convicção. Nessa passagem do geral para o particular.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:26:25) – Sabe que há aqui uma componente que é o diálogo. E como dizia o Paulo Freire, a dialogicidade é o grande instrumento para utilizar em muitos domínios, não apenas na educação, mas também na justiça. Partindo do pressuposto que o psicólogo deve partir que o juiz não tem nenhuma obrigação de conhecer termos técnicos nem o jargão da psicologia e às vezes a psicólogos escrevem de maneira cifrada para tribunal, ou que dizem que aplicaram testes sem explicarem para que é que servem esses testes, o que é que medem, etc.

JORGE CORREIA (00:26:58) – Para se defenderem ou porque não sabem fazê lo.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:27:00) – Não sabem, mas partem do pressuposto que o juiz também sabe e às vezes o juiz recebe. E já houve vários casos. Esses que eu assistia recebem uma informação e ficam um bocadinho também. O psicólogo, o juiz, de mandar um pedido de quesitos com conceitos jurídicos. O psicólogo é capaz de se focar neles. Portanto, é preciso estimular uma dialogicidade positiva. Ou seja, falamos a mesma língua porque quando estamos na psicologia forense, nós estamos num domínio que é, no fundo, o campo juiz psicológico, em que a psicologia, enquanto ciência, entra com os seus constructos, com o seu discurso, com as suas práticas e o método no campo da justiça, obviamente com o psicólogo forense tem necessidade de saber alguma coisa de direito, não o direito, se ensinam os juristas. Isso é um outro erro da nossa Academia. Às vezes achamos que uma cadeira de direito em economia tem que ser igual ao que se estuda em Direito. Não, não tem. É um erro, um disparate.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:27:56) – Eu tive a sorte quando passei por isso no início da minha carreira. Fui assistente de um professor que tinha bem essa noção. O professor Jorge Campinos tinha bem a noção do que era. Não. Necessário ensinar economista. E agora digo isso em relação aos psicólogos. Há um direito que eles têm de aprender, mas não é a cadeira de introdução, como são na Faculdade de Direito para juristas. E uma outra coisa é a explicação, no fundo, daquilo que é também de como comunicar com a com o juiz. Voltamos à questão da comunicação, porque se nós não criarmos meios de comunicação que sejam passíveis de entendimento por todos. Eu falo às vezes na brincadeira do usar o esperanto nessas coisas, usar uma linguagem que seja comum o juiz, o advogado, o psicólogo a consigam compreender, porque para. Felizmente, hoje já vai havendo gente aqui há 40 anos. Quando eu me doutora em psicologia, já era quase herético alguém vindo do Direito doutorar se em psicologia. Aliás, andei aí sim, andei a ser mal visto.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:28:59) – Mas era engraçado, era mal visto para umas pessoas de direito, como se fosse traído e mal visto para umas pessoas de psicologia, como se fosse o intruso. Portanto, isto quebrava e divertia me. Eu sempre gostei de tirar partido destas coisas, portanto tinha uma.

JORGE CORREIA (00:29:13) – Função que era de tradução simultânea do Direito para a psicologia e da psicologia para o.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:29:17) – Direito do treino para dar aulas. O que tenho feito a mais hoje, como estou aqui a fazer consigo, foi decorrência da vida. Não procurei, mas essencialmente para dar aulas, para fazer estudos sobre a psicologia forense, que é, se me interessa, não me meto nas áreas de psicologia dos outros. Não sei, não quero aprender mais o que sejamos. Chega a gostar de aprofundar este conhecimento. Eu faço parte de uma organização internacional da qual até sou vice presidente, que é a Associação Ibero-Americana de Psicologia Jurídica, que junta neste momento mais de 20 países Portugal, Espanha, naturalmente, mas muitos países da América Central e da América do Sul. E nessa organização, uma preocupação que nós temos e vamos até produzir obra agora sobre isso, é em criar condições de facilitar o diálogo.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:30:08) – Há um psicólogo espanhol, Miguel Clemente, que publicou há muitos anos, já em parceria com um colega, um livrinho muitíssimo interessante para psicólogos. Chama se Guia Jurídica do Psicólogo. Também deve haver um guia psicológico do jurista, porque, repare, nós cada vez mais temos a necessidade deste contacto. Um exemplo que nós podemos usar sugestivo, é que julgar um caso em que o carro se avariou não sei quê no motor e estampou se ou em que um prédio ruiu. Eu nunca vi um juiz pensar que é mecânico e observar o motor do carro para se informar. Nunca vi um juiz. É olhar para um prédio, para os escombros para perceber o que é que aconteceu. Chamou mestres de obras, arquitetos, engenheiros, etc.

JORGE CORREIA (00:30:54) – Não resisto à provocação que vem implícita nas suas palavras, que se calhar, quando estamos a falar da mente humana e da maneira como nós pensamos e somos, se calhar o juiz nalgum momento, pode admitir que percebe da natureza humana sem precisar do tal mecânico das mentes das pessoas.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:31:15) – Há uma psicologia folclórica que toda a gente acha que entende o que é uma chatice.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:31:20) – Uma vez uma senhora, minha, amiga arquiteta, soube, não sei como, que eu não tinha dito como tinha doutorado, isto já nos anos 90, e perguntou me em quê? Em Direito? Não em psicologia. Ah, isso é fácil e intuitivo. Há muito, há muito essa noção de que é intuitivo. Um velho advogado, já falecido, meu amigo, quando eu lhe falei da necessidade de se aconselhar com psicólogos, etc. Ele dizia me o Carlos psicólogo também eu sou isto. Mas repare, o juiz não é mecânico, não é mestre de obras. Durante muito tempo achavam que o psicólogo era descartável. Eu, quando fui advogado nos meus anos 80, ou melhor, nos anos 80 do século passado, ainda não tinha 80 anos. Nessa altura, eu, em alguns casos, levava psicólogos como peritos para os processos e uma vez um juiz que depois voltei a reencontrar aqui na Lusófona a fazer uma conferência que me disse um dia a doutora já sei como é que é, traz um psicólogo e resolve o caso ao pormenor, resolver o caso e esclarecer o caso.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:32:30) – O psicólogo. Alguém esclarece o papel do perito e esse seja um perito em numismática, filatelia ou em psicologia. O papel é esclarecer. Mas quando nós queremos esclarecer alguém, como quando queremos dar aos alguém, temos de primeiro saber a matéria. Segundo, saber como a transmitir. Todos nós sabemos que há pessoas famosas que sabem imenso. Ponha se aí num púlpito a fazer uma conferência e ninguém entende absolutamente nada. São herméticos. É necessário saber como se transmite e é necessário ter a base daquilo que é. E portanto, digo sempre aos meus alunos calma que eles refilam porque têm que fazer uma cadeira de direito em psicologia. Eu digo lhes sempre calma, vocês não têm que saber direito, têm que saber quando é que entram. Isto é um bocado como no teatro. Temos de saber as deixas e entrar e conhecer o enredo. Ninguém vai apresentar uma peça sem conhecer o enredo. Em princípio, presume se que leu a peça, mesmo que seja daquelas tragédias muito complicadas, mas que leu aqui é a mesma coisa.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:33:28) – O psicólogo tem que saber direito, tem que saber como é que se pode movimentar. Obviamente que eu sinto essa vantagem. Aquilo que eu fiz há muitos anos e que foi considerado por alguns herético, é uma ajuda. Hoje em dia há muita gente de Direito que fez mestrado, dizem em psicologia forense. Hoje em dia é mal vista isso também. Quem só pode fazer formação superior em psicologia, quem tiver licenciado de base e não outra qualquer. O que é contra o espírito de Bolonha. Mas pronto. Mas felizmente ainda há quem faça isso hoje em dia é juntar conhecimento jurídico com conhecimento psicológico ou conhecimento criminológico. Claro que é absolutamente útil para uma série de questões, sobretudo para trabalhar no meio dos tribunais. Eu, quando doutora e a minha intenção de doutorar, já era, já era do Centro Universitário. E uma das intenções obviamente que era continuar a minha carreira, mas na área que eu gosto, em vez de estar a dar aulas de Direito empresarial que não era propriamente uma coisa que eu tivesse uma paixão forte.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:34:40) – Depois percebi, de facto, que uma coisa muito útil é para conversar simultaneamente com juristas e com psicólogos. E este cruzamento que se estabelece então.

JORGE CORREIA (00:34:51) – É como é que no mundo actual, onde nós estamos cada vez mais em busca da hiper especialização daquela pessoa que é super especialista numa determinada área, onde é que fica a holística dos saberes? É exactamente essa capacidade de juntar os saberes, de fazer essa tradução simultânea entre universos que estão diferentes para melhorar no fundo do nosso processo de decisão.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:35:11) – Só quando nós falamos de pessoas. E fomos as suas personalidades, os seus comportamentos, ou seja, as condutas, atitudes que tomam em cada momento. Nós estamos a convocar uma série de saberes para obtermos a normatividade. Se alguém enviou uma norma, temos o problema do direito, mas depois temos o quadro explicativo que se desenvolveu muito, como se sabe, entre os finais do século XIX e princípios século XX. No Positivismo desenvolveu se exageradamente e houve uma altura em que os psiquiatras faziam dos juízes praticamente os juízes limitavam se a subscrever nas sentenças aquilo que eles tinham dito.

JORGE CORREIA (00:35:48) – Também parece muito estranho.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:35:49) – Não é muito estranho e também teve efeitos perversos. Ainda conheci alguns desse tempo que tinham sido internados compulsivamente no Miguel Bombarda e que eu conheci, como disse alguns deles, que lá estavam em standby até morrer praticamente. Mas há.

JORGE CORREIA (00:36:11) – Mas não deviam ter ficado lá.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:36:14) – Nalguns casos sim, noutros não. Reparto de Ford coisas que aconteceram nos anos 20, 30, 40, 50 pessoas que eram doentes ou que seriam doentes quando não havia meios de tratamento, porque os tratamentos químicos desenvolveram se principalmente a partir dos anos 50.

JORGE CORREIA (00:36:31) – E, portanto, puseram se estas pessoas quase em asilos.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:36:35) – Era melhor do que estar na prisão. Quando a gente se confronta com a história da loucura e com a história da justiça, o Michel Foucault é exímio a trabalhar esses objectos. Verificamos como se punham loucos agarrados a aquelas argolas. Segurar o burro ou o escravo numa prisão com grilhetas nos pés, como se fossem criminosos. Nalguns casos tinham cometido crimes, mas eram, acima de tudo, doentes. Foi Esquirol, foi Pinel que a eles devemos a uma alteração nessa forma de tratar esses doentes.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:37:08) – Mas falamos de doentes.

JORGE CORREIA (00:37:10) – Quando nós estamos a falar de. Esse tema interessa me, que é quando alguém comete um crime, mas não teve consciência dele ou foi porque teve um surto psicótico. O que for. É essa pessoa. A responsabilização dessa pessoa em função da sua doença e do seu contexto pode iliba lo da pena.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:37:31) – Normalmente não há casos em que sim, mas os casos de inimputabilidade são exíguos em qualquer comunidade atual. Já deixámos a fase do positivismo que tudo era doença, tudo era internato. Hoje sabemos que há crimes por estilo de vida. Há crimes por opção deliberada, consciente. A lei exige que, para que um ato seja crime, de resulte de uma escolha voluntária, consciente, livre de um indivíduo. Mas aí o papel dos psiquiatras e o papel dos psicólogos é essencialmente o de avaliar e realizar os exames e as perícias necessários e remeter o informe para o Tribunal. Bom, quem decide se é imputável, inimputável, só uma imputabilidade diminuída é o juiz. A decisão é judicial. E hoje já não se assiste àquilo que sucedia durante o positivismo, que era o juiz, em grande parte dos casos, subscrever na íntegra o que era dito pelos especialistas.

JORGE CORREIA (00:38:34) – Portanto, ratificava, no fundo, aquilo que o pensador pensa.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:38:37) – Isso, aliás, se formos ver, eu fiz lá algum trabalho de investigação no Miguel Bombarda, nos Arquivos Miguel Bombarda e neste momento este trabalho continua aqui na Lusófona, na criminologia. E era uma coisa que roçava o absurdo. As pessoas que têm, às vezes por crimes que nós diríamos quase bagatelas penais, quase iam parar ao Miguel Bombarda e estavam lá anos a fio. Acaso aquele célebre indivíduo que o Hitler mandou para Portugal porque era português e que foi apanhado na Alemanha e, segundo a lógica da época, o homem tinha tudo contra ele era bailarino no cabaré, era homossexual. Isto bastou para que coce o rótulo de comunista, eventualmente com ascendência judaica. E mandaram me para Portugal. E quando ele chega a Portugal, quem o recebe é PVDE, por ser vigilância, defesa do Estado antigo político à antiga PIDE. O que é que se faz? Este homem mandou se para o Miguel Bombarda. Eu conheci o nos anos 80. Repare, 40 anos depois.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:39:51) – Anos 80, Não antes de 70 e poucos. Ele morreu nos anos 80, quando ia apanhar o autocarro 33, no Campo Santana, e ele passeava, vagueava por ali de manhã, pedia cigarros, pedia dinheiro para um café. Disse que era um sujeito que saía daquilo que era mais comum ver se entre os doentes. Portanto, qual uma distinção? Quando se chateava, falava alemão. Ele na altura tinha sido alemão, o que era obrigatório no meu tempo e sabia algumas coisas e entrava em conversa com ele. A isso é que ficámos amigos. Este homem esteve e foi um pintor muito interessante e a quadros dele ouvia no tempo. O meu Bombarda funcionava. Este homem estava lá e vai internado até à morte. E perguntamos porquê? Basicamente porque era homossexual e bailarino num cabaré.

JORGE CORREIA (00:40:48) – E a resposta à pergunta o para quê?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:40:49) – Pelo menos a pergunta tinha que ser feita ou os positivos cometeram no Miguel Bombarda? E os que o conservaram? E uma vez dizia me a um médico nós não temos que fazer este ou por onde é que mandamos? Ao fim de tanto tempo, dar lhe a soltura alta, seria condenado a morrer em pouco tempo.

JORGE CORREIA (00:41:09) – Provavelmente não tinha espaço, não tinha lugar, não tinha, não tinha casa, não tinha família.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:41:14) – Passado dois décadas, veja que entre os anos de da Segunda Guerra Mundial e o 25 de Abril ditaram 20 e tal anos, o homem passou a usá la. Depois, o que é que se fazia? E este foi muitas vezes o problema do positivismo, aliado a um trabalho notável de uma colega sua, Catarina Gomes, ou coisas de loucos que ela apresentou aqui na Lusófona, em que isto é um problema cristão e muitos ficaram no anonimato. Encontrei, por exemplo, no Miguel Bombarda o processo José Júlio Costa. Sequer assim à primeira não existe nada. Este nome, José Júlio Costa, foi alegadamente o assassino do Sidónio e que foi metido também Miguel Bombarda, donde consta na ficha dele uma nota que diz Evadido. Curiosamente, no dia 19 de Outubro de 1921, o dia da Carroça Fantasma e da dos assassínios de Machado Santos e de do Carlos da Maia, naquele golpe que todos nós estudámos em História. Bom, esse caso, se o positivismo foi de facto um exagero, nós hoje estamos a estudar aqui muita coisa que tem que ser estudada e repensada.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:42:25) – Eu tive a sorte de entrar no Miguel Bombarda quando deixaram e conseguir colher muitíssima informação dos arquivos. Hoje em dia não podemos nunca voltar a isso, Mas atenção, temos de fazer uma outra coisa que é e felizmente os tribunais estão abertos a isso hoje e os juízes estão muito abertos a isso. Nós temos os advogados também, não tanto, mas também nós temos que conseguir estabelecer o diálogo permanente entre justiça e psicologia. Psicologia vista como uma ciência contributiva da justiça. Não é uma ciência como a psiquiatria do positivismo. Queira controlar a justiça, mas quer cooperar. E quando falamos de cooperação, estamos aqui a falar, no fundo, no qual pouco se referiu o papel de esclarecimento sobre os casos mais dramáticos da justiça criminal. Não estou a defender que haja obrigatoriamente avaliações em todos os casos, longe disso, mas muitos casos em que é necessário perceber quem é aquele sujeito e assim cumprir o que está no Código Penal. Quando fala da questão da culpa e, sobretudo, dos critérios para a definição da pena. É a minha.

JORGE CORREIA (00:43:39) – Percepção que a sociedade parece estar tensa, para dizer o mínimo. E cada vez temos mais fenómenos que vão aparecendo aqui e ali, alguns de delinquência juvenil também, de uma maior tensão, de uma maior impaciência, isto é, o efeito do pós pandemia e da nossa impaciência e de estarmos todos demasiado ligados. O que é que está a acontecer connosco?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:44:03) – A pandemia terá aqui contribuído? Terá ajudado fortemente nisto. Mas muito antes a pandemia começou a desenvolver se em Portugal e estou me a situar nos anos 70 do século passado e começou a desenvolver se entre nós uma coisa que foi o discurso securitário, o discurso da segurança e o apelo ao mundo. Está aqui a democracia musculada a com aumento de repressão, nenhuma criminalidade em nenhuma parte do mundo se resolve para o aumento da repressão. Isto é um dado adquirido e a segurança resolve se pela criação de outros meios de segurança, que não são todos policiais. Mas a partir dos anos 70, a justiça e a segurança entraram de forma intensa na mediatização. Começámos a ter a torto e a direito programas em que se fala de crime na televisão, na rádio, nos jornais.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:44:58) – Os jornais sempre tiveram notícias de crime, mas era uma coisa de uma noticiazinha a fazer ver as locais do dia a notícias do século que hoje tem a do Lisboa. Havia aquelas notícias de tribunal. Ontem aconteceu num tribunal. Às vezes eram questões mais ou menos cómicas do Tribunal de Polícia.

JORGE CORREIA (00:45:17) – Agora temos as notícias do que? Do crime, do crime enquanto ameaça do crime, enquanto uma sociedade que está.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:45:23) – Em criar susto ou vender. Repare a um sujeito que cuja relevância social, presumo não seja nenhuma. O Castelo Branco passou por esta situação onde está e suspeito de e foi constituído arguido suspeito de um crime de violência. Eu ontem e anteontem andei a percorrer canais de televisão e encontrei com -1 ou dois canais dedicados em exclusivo ao caso do Castelo Branco, como se aquilo dependesse o equilíbrio das finanças para o por os problemas todos da União Europeia. Quer dizer, não se fala mais nada. Meu amigo hoje vê nas televisões gente que provavelmente vive disto, que é pelo lado jurídico ou por não jurídicos falar, falar, falar fora do crime.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:46:12) – Depois vemos o aproveitamento político disto. Nos anos 70, isso foi muito aproveitado na campanha eleitoral para as eleições intercalares de 1979, onde havia um jornal especializado. Nisso se chamava Dia Claro. Creio que ter de ter um director que vinha de fascismo e que era comentador de televisão do tempo do fascismo, já não me lembro o nome dele. Nem interessa. São números, não vale a pena fixar. Depois assistimos ao incremento disto quando foi de entrada em vigor do Código Penal e exigiu sair a toda a gente tal Código Penal estava de quatro para a nossa realidade. O país era como se o nosso país fosse uma espécie de ave rara. Aquele código não podia. Bom, lá tiveram que digerir o código mais a lei dos jovens imputáveis. Mas se reparar, sobretudo em épocas políticas mais quentes, lá vem o discurso da insegurança. Lá vem o discurso do crime e da generalização da vítima. Vemos isto com frequência. Lembro me que nestas últimas eleições que nós tivemos legislativas este ano, de repente um relatório, o RASI e de repente um trabalho que, aliás eu ajudei a construir porque orientei o pós doutorado nesse trabalho.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:47:29) – De repente, era notícia constante Antena um, escadas, outras rádios também, mas os outros não. Os oiço habitualmente dando, trabalhando os números e dizendo que a insegurança juvenil, ou melhor, a criminalidade juvenil, estava a aumentar desalmadamente.

JORGE CORREIA (00:47:43) – Uma manipulação.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:47:45) – A manipulação. Isto, claro.

JORGE CORREIA (00:47:47) – Uma distorção da leitura de.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:47:49) – Distorcer para manipular, jogando com aquilo que é o sentimento dos mais vulneráveis, sobretudo os idosos, que é a questão da segurança, Isto é uma forma de produzir dividendos políticos e nós temos visto como estas campanhas. Mas isso também não tem apresentado nada de novo. Mas estas campanhas, desde os anos 80 vêm sendo feitas. Lembrar se há um exemplo deste um determinado partido, não interessa qual decidiu na campanha eleitoral de 93. Olha para essa campanha exactamente. Mas uns tempos antes, por aí, uns outdoor na país inteiro que dizia 35 anos de prisão para os traficantes de droga. Na altura em que a droga era tinha o seu boom. Era um agente, tinha um toxicodependente na família, às vezes dois e 3 a 35 anos de prisão.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:48:40) – Discurso populista, chapado. E não foi nenhum dos partidos que agora estão. Mais um de populismo em Portugal. Isto apareceu e esqueceram se várias coisas. Primeiro, seria a maior pena prevista no Código Penal, ultrapassando o limite máximo de pena que o Código Penal prescrevia. Segundo lugar, esqueceu se a questão da proporcionalidade. Então o homicídio onde é que fica? Na altura, o Governo, ou melhor, o ministro da Justiça, que era uma pessoa absolutamente brilhante, o Dr. Laborinho Lúcio. Fez orelhas moucas a isto.

JORGE CORREIA (00:49:17) – Foi a coisa mais inteligente que fez na Europa.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:49:20) – Até baixou o limite mínimo da pena. Até o baixo, explicou, porque agora reparo como, a propósito, um problema social é o caso da segurança. E se a droga também remetia para a segurança. Se consegue criar um clima de instabilidade com o objectivo de ganhar votos. Já não me lembro se esse partido ganhou votos ou perdeu. Espero que tenha perdido, porque estas coisas não se fazem. Mas nós vimos isso agora outra vez. De repente, começou se a falar do aumento da criminalidade constantemente e nem sempre com uma leitura correcta dos dados.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:49:55) – Por exemplo, quando se compara com os anos a pandemia, obviamente, durante a pandemia, a criminalidade predatória, os assaltos diminuíram porque as pessoas não andavam na rua. Ir assaltar a casa já é mais complicado, até porque estavam escalas, estavam preenchidas com todas as pessoas da família, etc. Mas fazer esta coisa que é tão simples que entra pelos olhos dentro de qualquer pessoa, passou a ser um ponto de comparação, portanto aumentou imenso. Fazia me lembrar que há muitos anos um presidente da Câmara me preocupado com as questões da segurança e um colega seu jornalista, perguntou lhe então mas que se passa aqui que só com a taxa de homicídio duplicou? Sabemos que aconteceu. Conta quantas vítimas é que houve o ano passado matar uma pessoa. Este ano mataram duas. Facto heróico. Agora reparo uma coisa a dizer duplicou de um para dois ou três e duplicou. Causa um alarme tremendo.

JORGE CORREIA (00:50:48) – Vamos fechar esta esta conversa. Como é que lida com os casos que que não tem solução ou que não consegue compreender?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:50:58) – Quando se faz militância na ciência, sabemos sempre que há casos que não têm solução e que há casos que nós nunca compreenderemos.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:51:06) – Virão outras gerações que os compreenderão. Cabe nos ir produzindo conhecimento para facilitar que isso aconteça. Isto passa se nas ciências todas.

JORGE CORREIA (00:51:15) – Algum que lhe tenha ficado na sua memória ou que volta e meia apareça aí na cabeça, no fundo, a lembrar que ainda falta resolver aquilo.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:51:25) – Quando eu fui advogado e fiz a advocacia criminal, houve casos que nunca ficaram completamente esclarecidos. Ficaram com nebulosas muito grandes desde que abandonei essa função. Houve um caso que foi acompanhado por gente de uma equipa que eu tenho, em que eu fiquei. Por todos os dados que me foram transmitidos, pelas psicólogas que fizeram as entrevistas, por uma conversa que tive com informantes privilegiados, no caso família do arguido e pelas conversas com as minhas colegas ao longo do tempo. Eu ainda hoje estou convencido que, apesar das provas em tribunal que o acusado não era o autor do crime, era um homicídio.

JORGE CORREIA (00:52:16) – E a injustiça dói.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:52:18) – Mas também tenho a certeza, ou melhor, tenho uma grande desconfiança por tudo aquilo que ouvi essa pessoa e pelo que ouvi a pessoa da sua família.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:52:29) – O crime foi mesmo cometido lá em casa. Só que não foi por aquilo. Aquele assumiu. Porque o ponto de vista económico não produzia para que não fosse para a cadeia quem ganhava o sustento daquela gente toda. E esse caso muitas vezes ocorre me Estou a falar dele agora. Já se passou há muitos e muitos e muitos anos. É um caso que eu levo para estudo dos meus estudantes, algumas vezes dentro dos limites todos do sigilo e do anonimato. Isto é, é um caso que com o qual não me sinto completamente confortável. Minha intervenção aí foi receber o pedido de falar com o advogado, ouvir o advogado, ouvir a família, indicar duas psicólogas, uma que ainda somos parceiros para fazer o trabalho e depois falar com elas e tudo aquilo que me foi verbalizado, mais o que eu ouvi, as pessoas com quem falei, tive sempre essa dúvida. Só que há aqueles casos que é aquelas coisas que não passam daquilo que é uma uma hipótese de trabalho e neste caso não se confirmou. O tribunal deu o rapaz como como condenado, como culpado.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:53:40) – Foi condenado. Deve ter cumprido a pena, imagino eu. Mas não é um caso que na minha cabeça esteja resolvido. E se tiver condições e paciência para isso, talvez um dia escreva alguma coisa sobre este caso e outros casos, porque sabe. O tempo ensina nos uma coisa e quando se anda na justiça como advogado, aprendemos isso quando aliamos ao ser advogado. Eu fiz isso durante um período. O Estudarmos Psicologia testemunho traz nos outra realidade. E há uma coisa que para mim é muito clara a verdade judicial é apenas o que resulta provado em tribunal. E temos alguns exemplos históricos. Olhe a Terra, centro do mundo. É só dar a volta. Mas aquela mulher acusada de práticas judaicas que confessou e tal processo na Torre do Tombo, confessou que tinha parido sete gatos. É aquele processo, no princípio deste século, em que o juiz dava como não provado num quesito em ação cível, que tinha havido uma revolução em 5 de outubro de 1910, na cidade de Lisboa. Esta foi a verdade judicial e nós sabemos a verdade biológica científica.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:55:01) – A verdade histórica é exactamente ao contrário. Mas isto são aquelas cifras negras com as quais não se pode fazer nada. Ficou provado. Pronto, não houve uma revolução a caminhar para os gatos. Há aqui uma diferença de época. A mulher tinha parido os gatos no século XVII. O caso da revolução é muito mais absurdo. Foi no século XX e o tribunal era de Lisboa. Mas cá o juiz tinha tirado férias. Foi a Praia das Maçãs e não se deu conta que tinha havido uma revolução.

JORGE CORREIA (00:55:33) – A verdade parece cada vez mais uma construção do que um valor absoluto. O que se aplica à justiça, tal como a outros lugares na vida. Será que a distopia deste mundo moderno começa a provar a estranha e absurda tese de que, ao invés de termos opiniões diferentes, assumimos que temos verdades diferentes? A minha verdade é diferente da tua verdade. É neste contexto onde florescem ideias alucinadas que se faz o caminho da propaganda moderna. É igual à de sempre, mas agora tem canais mais rápidos e mais anárquicos, já agora mais difíceis de controlar.

JORGE CORREIA (00:56:07) – Bem vindos ao vislumbre do insano caos. Ou estarei a ser muito pessimista até para a semana?

A palavra ódio mata? Carlos Alberto Poiares
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A linguagem tem um efeito sobre as pessoas.

E as palavras, mesmo que pareçam inócuas, entram na nossa cabeça e produzem uma influência.

Afinal, pensamos através das palavras. Os rótulos que metemos na realidade.

Palavras, imagens, gestos.

Tudo é comunicação.

Quando as palavras e as ações se conjugam para o mal, assistimos a crimes que dificilmente conseguimos perceber.

É nesse momento em que a justiça e a psicologia se juntam.

Para julgar e para entender as circunstâncias particulares desse crime.

Os crimes com motivações de ódio estão nesta grande caixa do horror humano.

Portugal pode estar a deixar de ser a exceção e a tornar-se mais um a ter de lidar com os fenómenos mais básicos da falta de respeito pela vida humana.

Esta edição é uma busca incessante à pergunta: porquê?


TÓPICOS & TEMPOS

Início (00:00:00) .

O efeito da linguagem (00:00:12) Discussão sobre o impacto das palavras e ações na comunicação e na produção de crimes de ódio.

Casos recentes de crimes de ódio em Portugal (00:01:30) Análise de casos de crimes de ódio, incluindo o envolvimento de um jovem do Porto num crime no Brasil e a disseminação de propaganda nazista através das redes sociais.

A interseção entre política, comunicação e justiça (00:11:34) Reflexão sobre a interligação entre política, comunicação e justiça, destacando a confusão crescente entre essas áreas na sociedade.

A importância da avaliação qualitativa e quantitativa por psicólogos forenses (00:15:44) Exploração da necessidade de avaliação qualitativa e quantitativa por psicólogos forenses na compreensão de casos de crimes de ódio.

A importância da avaliação psicológica (00:16:02) Discussão sobre a necessidade de avaliação psicológica em casos criminais e a confusão sobre o papel do psicólogo forense.

A interseção entre psicologia e direito (00:19:04) Exploração da importância do diálogo entre psicólogos forenses e juízes, e a necessidade de comunicação clara e compreensível.

Compreensão da personalidade do arguido (00:20:14) Análise da importância de compreender a personalidade do arguido na determinação da pena, e a necessidade de avaliação psicológica.

O papel da psicologia forense na justiça (00:24:08) Discussão sobre a neutralidade da psicologia forense e o seu papel na compreensão dos comportamentos e personalidade do sujeito.

A necessidade de diálogo entre psicologia e direito (00:26:25) Exploração da importância do diálogo entre psicólogos forenses e juízes, e a necessidade de comunicação clara e compreensível.

Facilitar o diálogo entre psicologia e direito (00:30:08) Discussão sobre a necessidade de facilitar o diálogo entre psicólogos e juristas para uma compreensão mais abrangente dos casos.

A psicologia folclórica (00:31:15) Reflexão sobre a visão popular e simplificada da psicologia e a complexidade da compreensão da natureza humana.

O papel do psicólogo no sistema judicial (00:31:20) Carlos Alberto Poiares fala sobre a importância do psicólogo como perito em processos judiciais.

A interseção entre direito e psicologia (00:32:30) Poiares destaca a importância de ter conhecimento jurídico e psicológico para trabalhar em tribunais.

A evolução da abordagem à saúde mental e justiça (00:33:28) Discussão sobre a evolução na abordagem da saúde mental na justiça, desde o positivismo até os dias atuais.

Responsabilidade penal em casos de doença mental (00:37:10) Exploração da responsabilidade penal em casos de doença mental e o papel dos psiquiatras e psicólogos.

A história da loucura e justiça (00:36:14) Poiares aborda a história da loucura, mencionando casos de internamento injustificado no passado.

A cooperação entre justiça e psicologia (00:42:25) Discussão sobre a importância da cooperação entre justiça e psicologia na compreensão de casos criminais.

Impacto da pandemia na segurança e justiça (00:43:39) Reflexão sobre o impacto da pandemia na sociedade, incluindo fenómenos de delinquência juvenil e impaciência.

Mediatização do discurso da segurança e crime (00:44:58) Análise da mediatização do discurso da segurança e do crime, incluindo a manipulação de dados sobre criminalidade juvenil.

Discurso populista e manipulação (00:47:49) Discussão sobre manipulação política, campanhas eleitorais e discurso populista.

Segurança e criminalidade (00:48:40) Reflexão sobre a questão da segurança, aumento da criminalidade e análise dos dados.

Casos sem solução na justiça (00:50:48) Abordagem sobre casos sem solução na justiça e a incerteza em alguns processos.

A verdade judicial (00:53:40) Reflexão sobre a verdade judicial e exemplos históricos de processos judiciais.

A construção da verdade (00:55:33) Discussão sobre a construção da verdade na justiça e na vida, e a distopia do mundo moderno.


As notícias ainda me ecoam na cabeça.

A primeira informa que um jovem menor, do Porto, terá sido, alegadamente, o mandante de um crime no outro lado do atlântico, no Brasil.

Uma rapariga de 17 anos morreu, em S Paulo.

Há ainda mais 5 casos em investigação, na forma tentada.

O traço comum destes casos é que foi usada uma rede social para espalhar propaganda nazi com forte componente de ódio.

Com um apelo ao recurso a massacres violentos tal como são vistos a miúde nos Estados Unidos.

Nos últioms dias aconteceram mais dois casos de violência em Portugal contra pessoas vulneráveis e migrantes em Portugal.

O mesmo padrão: o ódio, a violência, a ausência de empatia e humanidade mínima.

Quando este tipo de caso é investigado e chega a tribunal entram em cena os psicólogos forenses.

Cabe-lhes explicar o que está na cabeça destas pessoas.

O porque fizeram o que fizeram. O para o que fizeram.

Carlos Alberto Poiares é jurista, licenciado em direito e doutor em Psicologia.

Junta os saberes da lei e da psicologia e estuda os fenómenos de exclusão social e delinquência juvenil.

Fui em busca dos porquês. A começar pelo caso do jovem do Porto.

LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO

JORGE CORREIA (00:00:12) – Ora viva um. Bem vindos ao Pergunta Simples o vosso Podcasts sobre Comunicação. A linguagem tem um efeito sobre as pessoas e as palavras, mesmo aquelas que nos pareçam mais inócuas, entram na nossa cabeça e produzem alguma influência. Afinal, pensamos através das palavras, os rótulos que metemos na realidade palavras, imagens, gestos, tudo isto é comunicação. Quando as palavras e as acções se conjugam para o mal, assistimos a crimes que mal conseguimos perceber. É nesse momento em que a justiça e a psicologia se juntam para julgar e para entender as circunstâncias particulares desse crime. Os crimes com motivações de ódio estão nesta grande caixa do horror humano. E Portugal pode estar a deixar de ser a exceção e a tornar se mais um, a ter de lidar com os fenómenos mais básicos da falta de respeito pela vida humana. Esta edição é uma busca incessante à pergunta por que? As notícias dos últimos dias ainda me ecoam na cabeça. A primeira informa que um jovem menor do Porto terá sido, alegadamente, o mandante de um crime no outro lado do Atlântico, no Brasil.

JORGE CORREIA (00:01:30) – Uma rapariga de 17 anos morreu em São Paulo. E há ainda mais cinco casos a investigação na sua forma tentada. O traço comum nestes casos é que foi usado uma rede social para espalhar propaganda nazi com forte componente de ódio, com um apelo ao recurso a massacres violentos, tal como são vistos em miúdo nos Estados Unidos. Nos últimos dias aconteceram mais dois casos de violência em Portugal contra pessoas vulneráveis e imigrantes. O mesmo padrão o ódio, a violência, a ausência de empatia e humanidade. Quando este tipo de caso é investigado e chega a tribunal, entram em cena os psicólogos forenses. Cabe lhes tentar explicar o que está dentro da cabeça destas pessoas, porque fizeram o que fizeram e para que é que o fizeram. Carlos Alberto Poiares é jurista e licenciado em Direito e doutor em Psicologia. Ele junta os saberes da lei e da psicologia e estuda os fenómenos da exclusão social e da delinquência juvenil. Fui em busca dos porquês, a começar pelo caso do jovem do Porto. Trata se daqueles fenómenos que.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:02:38) – Felizmente, no nosso país não estamos habituados a ver.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:02:42) – São mais notícias que vêm dos Estados Unidos ou de outros pontos que achamos sempre muito distantes do nosso. Mas de vez em quando isto também nos cai dentro de casa. E este é um exemplo, primeiro lugar, do que é a capacidade organizativa de uma pessoa muito jovem, utilizando as tecnologias que tem, como todas, a vantagens e inconvenientes. Aqui eu uso a tecnologia para criar uma parceria, para se afirmar também porque há sempre um desejo de reconhecimento social quando estes casos aparecem com nome assinatura, ainda por cima quando se prevê a transmissão em directo que paga, ainda para mais como forma de divulgar os seus feitos, feitos esses que, tendo sido gorado o segundo, que era o assassínio de um sem abrigo, de uma pessoa muito vulnerável, o que ainda agrava mais a responsabilidade, mas já tinha sido usado e levou à morte de uma rapariga. Portanto, nós estamos aqui a assistir a um panorama incomum em Portugal, infelizmente já vulgarizado noutras paragens, que tem uma base de crime de ódio subjacente. Repare quando isto passa de uma situação de uma rapariga, eu não sei quais seriam os alguns aspetos específicos que houvesse ou não dessa rapariga, mas agora estamos a falar de um crime contra uma pessoa extremamente fragilizada, sem condições de defesa, vivendo em condições de miséria e no fundo era o grande gáudio.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:04:24) – Era conseguir matar com requintes de crueldade. Ou seja, matar já é muito mau. Mas aqui ainda fazendo acrescer a factores que reforçassem a dureza da dos atos criminais.

JORGE CORREIA (00:04:39) – Na minha percepção, é um fenómeno de violência gratuita, porque estas pessoas não se conhecem. Portanto, não há, em princípio, um móbil, uma vontade, 1A1.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:04:51) – Motivação que é que é doentia. Nós estamos a falar de situações em que as pessoas têm necessariamente que está doentes. Há aqui um problema porque quando nós falamos de saúde e a deduzimos em saúde física e saúde mental e ligamos muito pouco à saúde mental, normalmente nós esquecemo nos que grande parte dos atos, quer criminais, quer meramente transgressivo, incivilidades, etc. Que representam o adoecimento social, porque a saúde também interessa no plano social. Não estou fora da saúde pública, estou a falar da saúde da comunidade, que é também o aspeto de saúde das normatividades. E é isto que falha. Só que aqui vai de uma maneira estrondosa. Trata se de um crime. Poderíamos qualificar de hediondo já praticado outro que estava prestes a entrar em execução e sabe Deus os que estariam na calha para também acontecer.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:05:46) – Portanto, há aqui a componente do ódio que eu lhe referi. Subjacente a tudo isto, há uma ideologia totalitária nazi, portanto, as ideias do extermínio que para os nazis, para os fascistas e para uns tantos mais, foram sempre ideias que optaram por lidar com elas e trabalhá las. Há, portanto, aqui essa componente de ódio que está a fomentar se em muitos países do mundo e onde as redes sociais têm tido um papel preponderante. A sua difusão é que nós vamos vendo também. Dantes, dizia se que Portugal ainda estava livre dos núcleos. Extrema-Direita Nunca estivemos completamente, nunca estivemos. Logo a seguir ao 25 de Abril, pouco depois começaram a aparecer os grupos de extrema direita, desde o MIR do Kaúlza até grupos de outros que ainda andam por aí.

JORGE CORREIA (00:06:41) – Mas esta violência tem alguma coisa a ver com política?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:06:43) – Esta violência está muitas vezes associada e, segundo foi noticiado, era o caso também deste jovem português com a ideologia nazi. Portanto, há uma componente natureza política subjacente a tudo isto. Será difícil para nós percebermos objectivos políticos a extrair daqui, mas ai nós temos visto como grupinhos de extrema direita em Portugal também têm cometido crimes violentos.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:07:09) – Tivemos logo a seguir no Porto um crime contra imigrantes e que com aquela nossa as vezes falta de sensibilidade social que ainda vai existindo em Portugal. Houve responsáveis políticos que vieram quase acusar ou os imigrantes ou a agência AIMA, esquecendo que tinha havido um crime. Por muito mau que funcionem as instituições, por muito mau clima funcione. E não estou a dizer que funciona ou deixa de funcionar. Não tenho informação sobre isso, mas é de uma irresponsabilidade, tremenda irresponsabilidade política e social políticos no activo virem para a televisão e, em conferência de imprensa dizer ah, como é que funciona mal. Quer dizer, as vítimas aqui parece que já não têm interesse. Há que tirar dividendos políticos atacando uma instituição. Isto é do mais baixo que se pode encontrar numa sociedade.

JORGE CORREIA (00:07:58) – E se legitima socialmente. Um tipo de violência.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:08:01) – Legitima coisa nenhuma. Só que é esconder o sol atrás da montanha, ou seja, a deixamos ao lado a violência que foi aquele crime. Não falamos muito da irresponsabilidade de quem o cometeu, mas vamos acusar uma instituição.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:08:17) – O problema daquele crime não é porque há imigrantes e esse é um outro debate. E os imigrantes fazem nos muita falta. Mas não é porque há imigrantes. Aquilo que se passou no crime foi um grupo bárbaro que decidiu atacar, espancar uma série de pessoas. Podiam ser imigrantes, podia ser o dr. Ou podia ser eu, mas que decidiram fazer aquilo. E nós não podemos passar ao lado. Isto não é deslocando a responsabilidade para uma agência que funciona bem e funciona mal para mim. E não, não está em causa neste momento, mas é desviar o assunto em vez de se querer responsabilizar aquilo que são os energúmenos que terão alegadamente cometido aquele atentado e que provocaram aqueles efeitos todos. Vamos tapar o sol com a peneira e remeter isto para outra esfera.

JORGE CORREIA (00:09:03) – Com aquela ideia de que a culpa é sempre do outro, é sempre do estrangeiro.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:09:07) – Repare que este comportamento, e não estou a falar apenas do presidente da Câmara do Porto, estou a falar de não sei se a conferência de imprensa não se ouvia, apenas via rádio.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:09:16) – Não é disso que estou apenas a falar também, mas não apenas. E depois, toda uma quase justificação que é feita como se fosse importante neste caso, que exista uma agência que funciona assim ou assado. Isto é quase o mesmo que foi parar o carro num estacionamento proibido e se legitimar quem venha atrás de com o martelo e escavacar tudo. Quer dizer, nós estamos muitas vezes a confundir as coisas. Isto politicamente pode dar dividendos. Onde é que não há? Também não está provado que os dê, mas a verdade é que isto constitui uma forma de escamotear o que é a base do problema. E a base do problema divide se em crimes de ódio, em racismo profundo e em xenofobia. É isso. Por exemplo, o Porto levou, No caso do rapaz, as notícias que houve é que ele estaria imbuído das ideias neofascistas, nazis, etc. Estou a referir apenas aquilo que li na imprensa, mas com substrato ou não de natureza político ideológica, Nós estamos num caso e noutro, perante situações gravíssimas de crimes.

JORGE CORREIA (00:10:26) – E lá está, aqui a comunicação. Este é um podcast sobre comunicação. Está a jogar um papel chave também porque há uma maneira agora muito facilitada através da internet, através das redes sociais. Há uma maneira de contágio de passagem dessa propaganda que depois acaba nestes nestes crimes.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:10:46) – Só que a internet, o Facebook, as redes sociais todas transformaram cada cidadão num jornalista. Há e cada cidadão sente se no direito de escrever as mentiras que entender. Quando há campanhas eleitorais, nós vemos como se reforça o índice de mentira.

JORGE CORREIA (00:11:03) – Isso não é bem.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:11:03) – Jornalismo, não é? Mas isso não é jornalismo, isto é o sentido popularucho. E foi por aí que eu comecei. As redes sociais fizeram de cada indivíduo aspas, um jornalista com o destilar de todos os ódios, de todas as frustrações para a internet. E o pior é que há sempre pessoas que lêem e que acreditam no campo da comunicação social. Há que pensar muito e refletir muito sobre a comunicação, a política e sobre a comunicação e a justiça, sobretudo quando nós vivemos numa sociedade.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:11:34) – E eu estou a falar de Portugal, mas não apenas. Já vimos isto em Espanha, em França e em vários outros pontos da Europa. Nós vivemos numa sociedade onde política e justiça se estão a confundir cada vez mais e onde a justiça se converteu num actor do processo político. E nós já vimos isso muitas vezes desde a chamada guerra suja contra a ETA em Espanha, até ao caso, por exemplo.

JORGE CORREIA (00:11:58) – O francês Baltasar.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:11:59) – Garzón, que na.

JORGE CORREIA (00:11:59) – Altura apareceu, o.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:01) – Garçon também que se transformou primeiro juiz.

JORGE CORREIA (00:12:04) – E depois, como diz a televisão.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:06) – E o Sérgio Moro, que depois foi para o governo. Depois de pôr na cadeia o principal opositor, foi para o governo, do tipo que ajudou a chegar ao Planalto.

JORGE CORREIA (00:12:18) – O professor é um especialista em justiça e vê isso com preocupação. O facto de haver.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:25) – Mais uma vez.

JORGE CORREIA (00:12:26) – Uma interligação quase de vasos comunicantes entre estas duas áreas.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:29) – Vejo muita preocupação e, como disse, há quase aqui um princípio de vasos comunicantes. Nós não temos uma justiça como a comunicação sóbria.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:12:38) – Não temos. E há que chamar os bois pelo nome. Temos uma comunicação de justiça que é muito má. E nós vimos isso, por exemplo, com o comunicado que deu origem à demissão do anterior primeiro ministro. É um caso péssimo de comunicação. Certamente não foi nenhum jornalista encartado que fez aquilo, porque se fosse então o caso ainda seria mais grave. Mas temos uma comunicação má, mas má, em diversos domínios. É verdade que os cidadãos têm necessidade de saber o que se passa na Justiça. É um direito que nos assiste, mas uma comunicação que seja primeiro, exata, rigorosa e, em segundo lugar, que seja, tanto quanto possível, de proveniência autêntica dos próprios órgãos de justiça.

JORGE CORREIA (00:13:22) – Nós possamos verificar quem é que é a fonte e que nos explica o que é que está a acontecer.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:13:26) – Exactamente e não só por meio de palavras. Aquele ponto do comunicado da Procuradoria Geral da República parece quase escrito em Morse, mas tem ali, só na evidência, aquilo que era o suficiente para provocar o que provocou.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:13:39) – Não estou com isto a dizer que houve uma intencionalidade política, mas houve um efeito político. E de boas intenções está o inferno cheio. Como todos sabemos, o efeito foi político. Se a intenção era a história o dirá, porque a história normalmente esclarece sempre isto poderá não ser na sua vida, nem muito menos na minha. Pode demorar.

JORGE CORREIA (00:13:57) – Algum tempo a aparecer os.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:13:59) – Netos já estarem na idade da reforma. Seguramente que alguém perceberá o que se passou.

JORGE CORREIA (00:14:04) – Então mas quando vier uma explicação assim, tarde demais. Anos volvidos, essa é uma justiça e uma justiça que se pode tornar injusta.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:14:12) – Só que este é o problema da história. Muitas vezes a verdade é destapada quando já morreram todos os protagonistas e só interessa aos historiadores e aos bichinhos de biblioteca que andam a encher o nariz de pó nas poeiras dos arquivos.

JORGE CORREIA (00:14:29) – Portanto, já não interessa para nada para a nossa vida.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:14:30) – Interessa para a nossa? Não, mas interessa para que. Hoje há muita coisa que nos interessa da história da expansão ou da nossa história, do liberalismo que vão surgindo e que nos interessam ainda.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:14:43) – Já não faz justiça àqueles que sacrificaram. E quantas vezes vemos pessoas que foram vítimas do homicídio estatal através da pena de morte e que são reabilitadas já depois de mortos? O Galileu foi reabilitado ao fim de quantos anos? Foi João Paulo segundo que o reabilitou? Portanto, fica. Digamos que a vitória moral, como acontece com alguns clubes de futebol.

JORGE CORREIA (00:15:05) – Posso? Eu posso recentrar a nossa conversa porque tenho uma curiosidade. No caso deste jovem adolescente do Porto, o do crime no Brasil, o alegado crime no Brasil, Estamos todos tranquilos. É possível fazer um perfil desta destas pessoas?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:15:26) – Ora bem, eu já vi algumas pessoas dizerem com as palavras todas que é que acham que é aquele indivíduo? É uma temeridade e já não se pode caracterizar ninguém. Não se pode definir uma personalidade sem fazer uma avaliação.

JORGE CORREIA (00:15:42) – Como é que se faz este tipo de avaliação?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:15:44) – Avaliação Aqui há psicólogos forenses. Muitos foram meus alunos especializados nisso. É preciso fazer uma avaliação. Qualitativa e seguramente quantitativa, passando por sessões de entrevista com o sujeito para captar a discursividade.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:16:02) – O que ele sente em relação a isto? Enfim, há protocolos para isso e há modelos de entrevista que são utilizados nesse contexto. E provavelmente, eu diria seguramente, uma avaliação psicométrica para confirmar ou infirmar as suspeitas que ficarem na cabeça dos psicólogos. Depois de organizarem as entrevistas com estes sujeitos.

JORGE CORREIA (00:16:27) – O psicométrica, que é uma máquina da verdade, por exemplo. Não, não, não, não.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:16:30) – São testes numa máquina da verdade.

JORGE CORREIA (00:16:32) – Por isso eu estava a tentar perceber se havia reações fisiológicas aos testes.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:16:37) – Os instrumentos utilizados em psicologia forense, alguns não apenas em psicologia. França, por exemplo, inventários da personalidade para saber quem é este sujeito. Porque o problema da avaliação psicológica é sobretudo perceber quem é este indivíduo. E quando estamos num caso criminal, com esta gravidade capaz para que a justiça seja justa e a raiz da sua função. É necessário saber se o quem deste caso, daquele jovem, etc. Por isso a avaliação é, eu diria que imprescindível na grande maioria dos casos que passam pelo Tribunal Criminal.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:17:14) – O problema é que muitas vezes, no nosso país as instâncias mandam um relatório social e os juízes que não têm a obrigação de saber psicologia contentam se com isso. E ninguém se deve contentar com pouco, muito -1 juiz.

JORGE CORREIA (00:17:29) – Não chega.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:17:30) – O relatório tem que ser uma avaliação psicológica. O ator social é feito por assistentes sociais que fazem um belíssimo trabalho, é verdade, mas não fazem avaliação psicológica, até porque não têm competências para isso. Como psicólogo não tem competências para fazer relatórios sociais, isto é uma Uma área que deve ser trabalhada por psicólogos com formação universitária em psicologia forense. Não é um psicólogo qualquer, é um que saiba daquilo, porque nós em Portugal, infelizmente, temos muita mania. Psicólogo e psicólogo faz tudo como se fosse ali a costureira da esquina. Não, não é bem assim. E nós sabemos que é muito diferente o que se faz desde princípios éticos que regulam uma atividade forense e outra não forense, até aos princípios da responsabilidade do psicólogo dos meios de avaliação. Tudo isso, mas infelizmente, em Portugal ainda se confunde na psicologia muito estas coisas.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:18:22) – É quase como a existência do João semana. Antigamente, na medicina o médico faz tudo. Hoje quem tem uma dor de dente não vais traumatologista, ou melhor, não vai ao aparelho tratar o aparelho gástrico a uma pessoa. Se tem uma dor de dente, vai ao estomatologia, esta vai ao dentista, vai a essas especialidades, não vai ao reumatologista, embora o dentro também seja um osso. Portanto, na psicologia ainda existe aqui uma confusão que deve ter algum interesse. Mas que interesse? Estudo tem muito que não resolve as coisas e os tribunais, felizmente, começam a perceber que têm de ter psicólogos especializados naquilo. São pessoas que devem fazer aquilo e não perder tempo a fazer outras coisas.

JORGE CORREIA (00:19:02) – E que apoiam os juízes. No fundo, na sua.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:19:04) – Decisão, os juízes que apoiam os advogados também. Porque, repare, os advogados e os juízes muito raramente tiveram uma cadeira de psicologia na universidade. Digo muito raramente porque existiu isso aqui na Lusófona durante alguns anos. Duas cadeiras de psicologia na licenciatura em Direito. Quando Freitas do Amaral foi director da Faculdade de Direito, convidou me para dar à psicologia jurídica uma cadeira.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:19:27) – Mas não é comum ainda e neste momento, o Instituto Teixeira Gomes, no Algarve, também dispõe de uma cadeira de Psicologia Forense em Direito. Mas mesmo que a tenham feito, isso não permite a aquisição de conhecimentos necessários para o juiz. E o advogado e o procurador perceberam uma série de coisas.

JORGE CORREIA (00:19:45) – Até porque tem decisões difíceis para tomar. Tem que conseguir compreender o que é que está a acontecer.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:19:49) – Código Penal manda porque nós temos, felizmente, um dos melhores, mais modernos códigos penais, apesar de já termos comemorado os 40 anos dele. Publicado em 82, entrada em vigência em 83 e esse Código Penal diz lá que é necessário atender à personalidade do arguido quando se fixa a pena. Portanto, aqui não. Não temos o pronto a vestir das penas, mas temos a adequação à clínica da pena ao sujeito.

JORGE CORREIA (00:20:14) – Então não vamos estar à procura de que alguém tenha cometido um crime e, em princípio, os crimes são todos iguais e logo as penas também.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:20:22) – Já nos anos 40, 48, salvo erro, a Delfim Santos publicava um artigo em dois actual no Boletim da Ordem dos Advogados.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:20:34) – Há, aliás, na revista da Ordem dos Advogados em que ele dizia uma coisa curiosa a não podemos estar a igualizar as penas para todas as pessoas ao lado clínico individual de cada pena. E estou me a lembrar, por exemplo, de Sílvio de Lima. Em 1958, no manual, quando a Psicologia ainda era proscrita em Portugal. No manual ele falava duas páginas de psicologia criminal e criminologia e dizia uma coisa que eu gosto muito de citar, sobretudo quando falo para os atores judiciários O juiz tem que ser inteligente porque encontra uma lei abstrata que tem que aplicar a um caso concreto.

JORGE CORREIA (00:21:14) – E não é fácil.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:21:15) – Não é fácil este momento de singularização. É o momento que nos diferencia daquilo que foi a arquitetura liberal de justiça, em que a pena era fixa, era igual para todos os crimes. Nós hoje temos que olhar muito mais a quem cometeu.

JORGE CORREIA (00:21:29) – E ao contexto e as razões que que com.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:21:31) – Interações. Porque repare que o crime normalmente não é o caso do crime deste rapaz, em princípio. Mas o crime decorre no seio de interações entre vítima e transgressor.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:21:43) – No caso do rapaz, como digo, não sei se aquela rapariga foi escolhida por mero acaso, aleatoriamente, ou se havia uma indicação. Temos que provocar a morte dela. Não faço ideia que.

JORGE CORREIA (00:21:54) – Perguntas é que o professor tem quando olha para este caso. Se tivesse essa possibilidade de fazer essa análise e se esse profiling do que é que aconteceu? Mais do que a personalidade, mas também daquilo que aconteceu? Que perguntas é que é que consideraria fundamentais as.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:22:11) – Perguntas aqui que seriam fundamentais? Porque? Outra. Para que o porquê?

JORGE CORREIA (00:22:17) – Logo, uma pergunta muito difícil, não é?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:22:19) – Mas a resposta, se fosse dada, poderia haver o mutismo. Mas se fosse dada uma resposta, seria muito para se interpretar o porquê, o para quê? No fundo, aquela pergunta muito popular Queres tu ganhas com isto? E depois, como é que se sente depois disto tudo? Só que uma vez um rapaz estava acusado de um homicídio. Estava em prisão domiciliária quando as psicólogas lhe perguntaram como é que se sente em relação a tudo isto.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:22:56) – Ele deu me uma resposta muito interessante. Sinto mal. Tal como dos diabos, eu não posso ir à praia.

JORGE CORREIA (00:23:05) – Que é uma resposta completamente. Posso usar a palavra lunática que não faz sentido, não é?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:23:12) – Tem um profundo desprezo pelo outro e pela vida do outro. Não me preocupava ter matado um sujeito, ainda por cima da família. É uma.

JORGE CORREIA (00:23:21) – Indiferença.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:23:22) – Uma indiferença. O que me preocupava. E está um sol bestial para 30 e tal graus. Estou aqui em casa com calor, não posso ir à praia. Esta era a grande preocupação. Mas uma afirmação destas, verbalizada a duas psicólogas forenses, como foi o caso, diz nos muito do sujeito. Portanto, aqui não estou a dizer as perguntas que deveriam ser feitas. Há aqui três perguntas que deveriam estar incluídas que eu gostaria imenso de ter uma resposta O porquê, para quê e para quê? E como é que se sente agora? Porque isto aqui já nos daria alguns indicadores. Porque, repare, eu quando falo numa avaliação psicológica, não tem intenção nem de atenuar penas nem das agravar.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:24:07) – A psicologia é uma ciência.

JORGE CORREIA (00:24:08) – Tentar perceber o que é que aconteceu.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:24:10) – Exatamente e por uma da compreensão, porque a psicologia forense serve para compreender e depois poder explicar o que esteve por trás. Eu digo às vezes aos meus alunos de psicologia e particularmente agora aos de criminologia. A avaliação não vai, não é parcial, é uma ciência, tem um método rigoroso e é uma ciência. Como tal, é neutral naquela questão. Tem que dar respostas sobre aquilo que é o sujeito da sua personalidade e como é que existem os comportamentos que ele assumiu encaixam nesse lastro da personalidade. Porque a psicologia forense não nasceu nem para crucificar ninguém, nem para quem edificar.

JORGE CORREIA (00:24:56) – E não acaba por fazer isso de alguma maneira, se.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:24:59) – Não o reparo, quem decide é o juiz. O juiz está no seu direito de aceitar ou não aceitar aquilo que sejam as informações enviadas pelo. Pelos técnicos.

JORGE CORREIA (00:25:14) – Estão a gostar do pergunta simples. Estão a gostar deste episódio? Sabia que um gesto seu me pode ajudar a encontrar e convencer novos e bons comunicadores para gravar um programa? Que gesto é esse? Subscrever na página? Pergunta sempre Pronto, Como tem lá toda a informação de como pode subscrever? Pode ser por email, mas pode ser ainda mais fácil subscrevendo no seu telemóvel através de aplicações gratuitas como o Spotify, o Aple ou o Google Podcasts.

JORGE CORREIA (00:25:43) – Assim, cada vez que houver um novo episódio, ele aparece de forma mágica no seu telefone e é a melhor forma de escutar a pergunta simples. Provavelmente o professor já foi várias vezes a tribunal, na condição de perito, dar a sua opinião sobre sobre casos ou sobre coisas que investigou. Como é que é esse diálogo entre um especialista que ainda por cima é um homem que percebe de direito, mas entre um homem que percebe de psicologia, deste cruzamento de saberes, entre a psicologia do direito e a relação com com um juiz que possa ter ideias muito próprias sobre as coisas menos científicas e mais na base da convicção. Nessa passagem do geral para o particular.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:26:25) – Sabe que há aqui uma componente que é o diálogo. E como dizia o Paulo Freire, a dialogicidade é o grande instrumento para utilizar em muitos domínios, não apenas na educação, mas também na justiça. Partindo do pressuposto que o psicólogo deve partir que o juiz não tem nenhuma obrigação de conhecer termos técnicos nem o jargão da psicologia e às vezes a psicólogos escrevem de maneira cifrada para tribunal, ou que dizem que aplicaram testes sem explicarem para que é que servem esses testes, o que é que medem, etc.

JORGE CORREIA (00:26:58) – Para se defenderem ou porque não sabem fazê lo.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:27:00) – Não sabem, mas partem do pressuposto que o juiz também sabe e às vezes o juiz recebe. E já houve vários casos. Esses que eu assistia recebem uma informação e ficam um bocadinho também. O psicólogo, o juiz, de mandar um pedido de quesitos com conceitos jurídicos. O psicólogo é capaz de se focar neles. Portanto, é preciso estimular uma dialogicidade positiva. Ou seja, falamos a mesma língua porque quando estamos na psicologia forense, nós estamos num domínio que é, no fundo, o campo juiz psicológico, em que a psicologia, enquanto ciência, entra com os seus constructos, com o seu discurso, com as suas práticas e o método no campo da justiça, obviamente com o psicólogo forense tem necessidade de saber alguma coisa de direito, não o direito, se ensinam os juristas. Isso é um outro erro da nossa Academia. Às vezes achamos que uma cadeira de direito em economia tem que ser igual ao que se estuda em Direito. Não, não tem. É um erro, um disparate.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:27:56) – Eu tive a sorte quando passei por isso no início da minha carreira. Fui assistente de um professor que tinha bem essa noção. O professor Jorge Campinos tinha bem a noção do que era. Não. Necessário ensinar economista. E agora digo isso em relação aos psicólogos. Há um direito que eles têm de aprender, mas não é a cadeira de introdução, como são na Faculdade de Direito para juristas. E uma outra coisa é a explicação, no fundo, daquilo que é também de como comunicar com a com o juiz. Voltamos à questão da comunicação, porque se nós não criarmos meios de comunicação que sejam passíveis de entendimento por todos. Eu falo às vezes na brincadeira do usar o esperanto nessas coisas, usar uma linguagem que seja comum o juiz, o advogado, o psicólogo a consigam compreender, porque para. Felizmente, hoje já vai havendo gente aqui há 40 anos. Quando eu me doutora em psicologia, já era quase herético alguém vindo do Direito doutorar se em psicologia. Aliás, andei aí sim, andei a ser mal visto.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:28:59) – Mas era engraçado, era mal visto para umas pessoas de direito, como se fosse traído e mal visto para umas pessoas de psicologia, como se fosse o intruso. Portanto, isto quebrava e divertia me. Eu sempre gostei de tirar partido destas coisas, portanto tinha uma.

JORGE CORREIA (00:29:13) – Função que era de tradução simultânea do Direito para a psicologia e da psicologia para o.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:29:17) – Direito do treino para dar aulas. O que tenho feito a mais hoje, como estou aqui a fazer consigo, foi decorrência da vida. Não procurei, mas essencialmente para dar aulas, para fazer estudos sobre a psicologia forense, que é, se me interessa, não me meto nas áreas de psicologia dos outros. Não sei, não quero aprender mais o que sejamos. Chega a gostar de aprofundar este conhecimento. Eu faço parte de uma organização internacional da qual até sou vice presidente, que é a Associação Ibero-Americana de Psicologia Jurídica, que junta neste momento mais de 20 países Portugal, Espanha, naturalmente, mas muitos países da América Central e da América do Sul. E nessa organização, uma preocupação que nós temos e vamos até produzir obra agora sobre isso, é em criar condições de facilitar o diálogo.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:30:08) – Há um psicólogo espanhol, Miguel Clemente, que publicou há muitos anos, já em parceria com um colega, um livrinho muitíssimo interessante para psicólogos. Chama se Guia Jurídica do Psicólogo. Também deve haver um guia psicológico do jurista, porque, repare, nós cada vez mais temos a necessidade deste contacto. Um exemplo que nós podemos usar sugestivo, é que julgar um caso em que o carro se avariou não sei quê no motor e estampou se ou em que um prédio ruiu. Eu nunca vi um juiz pensar que é mecânico e observar o motor do carro para se informar. Nunca vi um juiz. É olhar para um prédio, para os escombros para perceber o que é que aconteceu. Chamou mestres de obras, arquitetos, engenheiros, etc.

JORGE CORREIA (00:30:54) – Não resisto à provocação que vem implícita nas suas palavras, que se calhar, quando estamos a falar da mente humana e da maneira como nós pensamos e somos, se calhar o juiz nalgum momento, pode admitir que percebe da natureza humana sem precisar do tal mecânico das mentes das pessoas.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:31:15) – Há uma psicologia folclórica que toda a gente acha que entende o que é uma chatice.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:31:20) – Uma vez uma senhora, minha, amiga arquiteta, soube, não sei como, que eu não tinha dito como tinha doutorado, isto já nos anos 90, e perguntou me em quê? Em Direito? Não em psicologia. Ah, isso é fácil e intuitivo. Há muito, há muito essa noção de que é intuitivo. Um velho advogado, já falecido, meu amigo, quando eu lhe falei da necessidade de se aconselhar com psicólogos, etc. Ele dizia me o Carlos psicólogo também eu sou isto. Mas repare, o juiz não é mecânico, não é mestre de obras. Durante muito tempo achavam que o psicólogo era descartável. Eu, quando fui advogado nos meus anos 80, ou melhor, nos anos 80 do século passado, ainda não tinha 80 anos. Nessa altura, eu, em alguns casos, levava psicólogos como peritos para os processos e uma vez um juiz que depois voltei a reencontrar aqui na Lusófona a fazer uma conferência que me disse um dia a doutora já sei como é que é, traz um psicólogo e resolve o caso ao pormenor, resolver o caso e esclarecer o caso.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:32:30) – O psicólogo. Alguém esclarece o papel do perito e esse seja um perito em numismática, filatelia ou em psicologia. O papel é esclarecer. Mas quando nós queremos esclarecer alguém, como quando queremos dar aos alguém, temos de primeiro saber a matéria. Segundo, saber como a transmitir. Todos nós sabemos que há pessoas famosas que sabem imenso. Ponha se aí num púlpito a fazer uma conferência e ninguém entende absolutamente nada. São herméticos. É necessário saber como se transmite e é necessário ter a base daquilo que é. E portanto, digo sempre aos meus alunos calma que eles refilam porque têm que fazer uma cadeira de direito em psicologia. Eu digo lhes sempre calma, vocês não têm que saber direito, têm que saber quando é que entram. Isto é um bocado como no teatro. Temos de saber as deixas e entrar e conhecer o enredo. Ninguém vai apresentar uma peça sem conhecer o enredo. Em princípio, presume se que leu a peça, mesmo que seja daquelas tragédias muito complicadas, mas que leu aqui é a mesma coisa.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:33:28) – O psicólogo tem que saber direito, tem que saber como é que se pode movimentar. Obviamente que eu sinto essa vantagem. Aquilo que eu fiz há muitos anos e que foi considerado por alguns herético, é uma ajuda. Hoje em dia há muita gente de Direito que fez mestrado, dizem em psicologia forense. Hoje em dia é mal vista isso também. Quem só pode fazer formação superior em psicologia, quem tiver licenciado de base e não outra qualquer. O que é contra o espírito de Bolonha. Mas pronto. Mas felizmente ainda há quem faça isso hoje em dia é juntar conhecimento jurídico com conhecimento psicológico ou conhecimento criminológico. Claro que é absolutamente útil para uma série de questões, sobretudo para trabalhar no meio dos tribunais. Eu, quando doutora e a minha intenção de doutorar, já era, já era do Centro Universitário. E uma das intenções obviamente que era continuar a minha carreira, mas na área que eu gosto, em vez de estar a dar aulas de Direito empresarial que não era propriamente uma coisa que eu tivesse uma paixão forte.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:34:40) – Depois percebi, de facto, que uma coisa muito útil é para conversar simultaneamente com juristas e com psicólogos. E este cruzamento que se estabelece então.

JORGE CORREIA (00:34:51) – É como é que no mundo actual, onde nós estamos cada vez mais em busca da hiper especialização daquela pessoa que é super especialista numa determinada área, onde é que fica a holística dos saberes? É exactamente essa capacidade de juntar os saberes, de fazer essa tradução simultânea entre universos que estão diferentes para melhorar no fundo do nosso processo de decisão.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:35:11) – Só quando nós falamos de pessoas. E fomos as suas personalidades, os seus comportamentos, ou seja, as condutas, atitudes que tomam em cada momento. Nós estamos a convocar uma série de saberes para obtermos a normatividade. Se alguém enviou uma norma, temos o problema do direito, mas depois temos o quadro explicativo que se desenvolveu muito, como se sabe, entre os finais do século XIX e princípios século XX. No Positivismo desenvolveu se exageradamente e houve uma altura em que os psiquiatras faziam dos juízes praticamente os juízes limitavam se a subscrever nas sentenças aquilo que eles tinham dito.

JORGE CORREIA (00:35:48) – Também parece muito estranho.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:35:49) – Não é muito estranho e também teve efeitos perversos. Ainda conheci alguns desse tempo que tinham sido internados compulsivamente no Miguel Bombarda e que eu conheci, como disse alguns deles, que lá estavam em standby até morrer praticamente. Mas há.

JORGE CORREIA (00:36:11) – Mas não deviam ter ficado lá.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:36:14) – Nalguns casos sim, noutros não. Reparto de Ford coisas que aconteceram nos anos 20, 30, 40, 50 pessoas que eram doentes ou que seriam doentes quando não havia meios de tratamento, porque os tratamentos químicos desenvolveram se principalmente a partir dos anos 50.

JORGE CORREIA (00:36:31) – E, portanto, puseram se estas pessoas quase em asilos.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:36:35) – Era melhor do que estar na prisão. Quando a gente se confronta com a história da loucura e com a história da justiça, o Michel Foucault é exímio a trabalhar esses objectos. Verificamos como se punham loucos agarrados a aquelas argolas. Segurar o burro ou o escravo numa prisão com grilhetas nos pés, como se fossem criminosos. Nalguns casos tinham cometido crimes, mas eram, acima de tudo, doentes. Foi Esquirol, foi Pinel que a eles devemos a uma alteração nessa forma de tratar esses doentes.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:37:08) – Mas falamos de doentes.

JORGE CORREIA (00:37:10) – Quando nós estamos a falar de. Esse tema interessa me, que é quando alguém comete um crime, mas não teve consciência dele ou foi porque teve um surto psicótico. O que for. É essa pessoa. A responsabilização dessa pessoa em função da sua doença e do seu contexto pode iliba lo da pena.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:37:31) – Normalmente não há casos em que sim, mas os casos de inimputabilidade são exíguos em qualquer comunidade atual. Já deixámos a fase do positivismo que tudo era doença, tudo era internato. Hoje sabemos que há crimes por estilo de vida. Há crimes por opção deliberada, consciente. A lei exige que, para que um ato seja crime, de resulte de uma escolha voluntária, consciente, livre de um indivíduo. Mas aí o papel dos psiquiatras e o papel dos psicólogos é essencialmente o de avaliar e realizar os exames e as perícias necessários e remeter o informe para o Tribunal. Bom, quem decide se é imputável, inimputável, só uma imputabilidade diminuída é o juiz. A decisão é judicial. E hoje já não se assiste àquilo que sucedia durante o positivismo, que era o juiz, em grande parte dos casos, subscrever na íntegra o que era dito pelos especialistas.

JORGE CORREIA (00:38:34) – Portanto, ratificava, no fundo, aquilo que o pensador pensa.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:38:37) – Isso, aliás, se formos ver, eu fiz lá algum trabalho de investigação no Miguel Bombarda, nos Arquivos Miguel Bombarda e neste momento este trabalho continua aqui na Lusófona, na criminologia. E era uma coisa que roçava o absurdo. As pessoas que têm, às vezes por crimes que nós diríamos quase bagatelas penais, quase iam parar ao Miguel Bombarda e estavam lá anos a fio. Acaso aquele célebre indivíduo que o Hitler mandou para Portugal porque era português e que foi apanhado na Alemanha e, segundo a lógica da época, o homem tinha tudo contra ele era bailarino no cabaré, era homossexual. Isto bastou para que coce o rótulo de comunista, eventualmente com ascendência judaica. E mandaram me para Portugal. E quando ele chega a Portugal, quem o recebe é PVDE, por ser vigilância, defesa do Estado antigo político à antiga PIDE. O que é que se faz? Este homem mandou se para o Miguel Bombarda. Eu conheci o nos anos 80. Repare, 40 anos depois.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:39:51) – Anos 80, Não antes de 70 e poucos. Ele morreu nos anos 80, quando ia apanhar o autocarro 33, no Campo Santana, e ele passeava, vagueava por ali de manhã, pedia cigarros, pedia dinheiro para um café. Disse que era um sujeito que saía daquilo que era mais comum ver se entre os doentes. Portanto, qual uma distinção? Quando se chateava, falava alemão. Ele na altura tinha sido alemão, o que era obrigatório no meu tempo e sabia algumas coisas e entrava em conversa com ele. A isso é que ficámos amigos. Este homem esteve e foi um pintor muito interessante e a quadros dele ouvia no tempo. O meu Bombarda funcionava. Este homem estava lá e vai internado até à morte. E perguntamos porquê? Basicamente porque era homossexual e bailarino num cabaré.

JORGE CORREIA (00:40:48) – E a resposta à pergunta o para quê?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:40:49) – Pelo menos a pergunta tinha que ser feita ou os positivos cometeram no Miguel Bombarda? E os que o conservaram? E uma vez dizia me a um médico nós não temos que fazer este ou por onde é que mandamos? Ao fim de tanto tempo, dar lhe a soltura alta, seria condenado a morrer em pouco tempo.

JORGE CORREIA (00:41:09) – Provavelmente não tinha espaço, não tinha lugar, não tinha, não tinha casa, não tinha família.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:41:14) – Passado dois décadas, veja que entre os anos de da Segunda Guerra Mundial e o 25 de Abril ditaram 20 e tal anos, o homem passou a usá la. Depois, o que é que se fazia? E este foi muitas vezes o problema do positivismo, aliado a um trabalho notável de uma colega sua, Catarina Gomes, ou coisas de loucos que ela apresentou aqui na Lusófona, em que isto é um problema cristão e muitos ficaram no anonimato. Encontrei, por exemplo, no Miguel Bombarda o processo José Júlio Costa. Sequer assim à primeira não existe nada. Este nome, José Júlio Costa, foi alegadamente o assassino do Sidónio e que foi metido também Miguel Bombarda, donde consta na ficha dele uma nota que diz Evadido. Curiosamente, no dia 19 de Outubro de 1921, o dia da Carroça Fantasma e da dos assassínios de Machado Santos e de do Carlos da Maia, naquele golpe que todos nós estudámos em História. Bom, esse caso, se o positivismo foi de facto um exagero, nós hoje estamos a estudar aqui muita coisa que tem que ser estudada e repensada.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:42:25) – Eu tive a sorte de entrar no Miguel Bombarda quando deixaram e conseguir colher muitíssima informação dos arquivos. Hoje em dia não podemos nunca voltar a isso, Mas atenção, temos de fazer uma outra coisa que é e felizmente os tribunais estão abertos a isso hoje e os juízes estão muito abertos a isso. Nós temos os advogados também, não tanto, mas também nós temos que conseguir estabelecer o diálogo permanente entre justiça e psicologia. Psicologia vista como uma ciência contributiva da justiça. Não é uma ciência como a psiquiatria do positivismo. Queira controlar a justiça, mas quer cooperar. E quando falamos de cooperação, estamos aqui a falar, no fundo, no qual pouco se referiu o papel de esclarecimento sobre os casos mais dramáticos da justiça criminal. Não estou a defender que haja obrigatoriamente avaliações em todos os casos, longe disso, mas muitos casos em que é necessário perceber quem é aquele sujeito e assim cumprir o que está no Código Penal. Quando fala da questão da culpa e, sobretudo, dos critérios para a definição da pena. É a minha.

JORGE CORREIA (00:43:39) – Percepção que a sociedade parece estar tensa, para dizer o mínimo. E cada vez temos mais fenómenos que vão aparecendo aqui e ali, alguns de delinquência juvenil também, de uma maior tensão, de uma maior impaciência, isto é, o efeito do pós pandemia e da nossa impaciência e de estarmos todos demasiado ligados. O que é que está a acontecer connosco?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:44:03) – A pandemia terá aqui contribuído? Terá ajudado fortemente nisto. Mas muito antes a pandemia começou a desenvolver se em Portugal e estou me a situar nos anos 70 do século passado e começou a desenvolver se entre nós uma coisa que foi o discurso securitário, o discurso da segurança e o apelo ao mundo. Está aqui a democracia musculada a com aumento de repressão, nenhuma criminalidade em nenhuma parte do mundo se resolve para o aumento da repressão. Isto é um dado adquirido e a segurança resolve se pela criação de outros meios de segurança, que não são todos policiais. Mas a partir dos anos 70, a justiça e a segurança entraram de forma intensa na mediatização. Começámos a ter a torto e a direito programas em que se fala de crime na televisão, na rádio, nos jornais.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:44:58) – Os jornais sempre tiveram notícias de crime, mas era uma coisa de uma noticiazinha a fazer ver as locais do dia a notícias do século que hoje tem a do Lisboa. Havia aquelas notícias de tribunal. Ontem aconteceu num tribunal. Às vezes eram questões mais ou menos cómicas do Tribunal de Polícia.

JORGE CORREIA (00:45:17) – Agora temos as notícias do que? Do crime, do crime enquanto ameaça do crime, enquanto uma sociedade que está.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:45:23) – Em criar susto ou vender. Repare a um sujeito que cuja relevância social, presumo não seja nenhuma. O Castelo Branco passou por esta situação onde está e suspeito de e foi constituído arguido suspeito de um crime de violência. Eu ontem e anteontem andei a percorrer canais de televisão e encontrei com -1 ou dois canais dedicados em exclusivo ao caso do Castelo Branco, como se aquilo dependesse o equilíbrio das finanças para o por os problemas todos da União Europeia. Quer dizer, não se fala mais nada. Meu amigo hoje vê nas televisões gente que provavelmente vive disto, que é pelo lado jurídico ou por não jurídicos falar, falar, falar fora do crime.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:46:12) – Depois vemos o aproveitamento político disto. Nos anos 70, isso foi muito aproveitado na campanha eleitoral para as eleições intercalares de 1979, onde havia um jornal especializado. Nisso se chamava Dia Claro. Creio que ter de ter um director que vinha de fascismo e que era comentador de televisão do tempo do fascismo, já não me lembro o nome dele. Nem interessa. São números, não vale a pena fixar. Depois assistimos ao incremento disto quando foi de entrada em vigor do Código Penal e exigiu sair a toda a gente tal Código Penal estava de quatro para a nossa realidade. O país era como se o nosso país fosse uma espécie de ave rara. Aquele código não podia. Bom, lá tiveram que digerir o código mais a lei dos jovens imputáveis. Mas se reparar, sobretudo em épocas políticas mais quentes, lá vem o discurso da insegurança. Lá vem o discurso do crime e da generalização da vítima. Vemos isto com frequência. Lembro me que nestas últimas eleições que nós tivemos legislativas este ano, de repente um relatório, o RASI e de repente um trabalho que, aliás eu ajudei a construir porque orientei o pós doutorado nesse trabalho.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:47:29) – De repente, era notícia constante Antena um, escadas, outras rádios também, mas os outros não. Os oiço habitualmente dando, trabalhando os números e dizendo que a insegurança juvenil, ou melhor, a criminalidade juvenil, estava a aumentar desalmadamente.

JORGE CORREIA (00:47:43) – Uma manipulação.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:47:45) – A manipulação. Isto, claro.

JORGE CORREIA (00:47:47) – Uma distorção da leitura de.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:47:49) – Distorcer para manipular, jogando com aquilo que é o sentimento dos mais vulneráveis, sobretudo os idosos, que é a questão da segurança, Isto é uma forma de produzir dividendos políticos e nós temos visto como estas campanhas. Mas isso também não tem apresentado nada de novo. Mas estas campanhas, desde os anos 80 vêm sendo feitas. Lembrar se há um exemplo deste um determinado partido, não interessa qual decidiu na campanha eleitoral de 93. Olha para essa campanha exactamente. Mas uns tempos antes, por aí, uns outdoor na país inteiro que dizia 35 anos de prisão para os traficantes de droga. Na altura em que a droga era tinha o seu boom. Era um agente, tinha um toxicodependente na família, às vezes dois e 3 a 35 anos de prisão.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:48:40) – Discurso populista, chapado. E não foi nenhum dos partidos que agora estão. Mais um de populismo em Portugal. Isto apareceu e esqueceram se várias coisas. Primeiro, seria a maior pena prevista no Código Penal, ultrapassando o limite máximo de pena que o Código Penal prescrevia. Segundo lugar, esqueceu se a questão da proporcionalidade. Então o homicídio onde é que fica? Na altura, o Governo, ou melhor, o ministro da Justiça, que era uma pessoa absolutamente brilhante, o Dr. Laborinho Lúcio. Fez orelhas moucas a isto.

JORGE CORREIA (00:49:17) – Foi a coisa mais inteligente que fez na Europa.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:49:20) – Até baixou o limite mínimo da pena. Até o baixo, explicou, porque agora reparo como, a propósito, um problema social é o caso da segurança. E se a droga também remetia para a segurança. Se consegue criar um clima de instabilidade com o objectivo de ganhar votos. Já não me lembro se esse partido ganhou votos ou perdeu. Espero que tenha perdido, porque estas coisas não se fazem. Mas nós vimos isso agora outra vez. De repente, começou se a falar do aumento da criminalidade constantemente e nem sempre com uma leitura correcta dos dados.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:49:55) – Por exemplo, quando se compara com os anos a pandemia, obviamente, durante a pandemia, a criminalidade predatória, os assaltos diminuíram porque as pessoas não andavam na rua. Ir assaltar a casa já é mais complicado, até porque estavam escalas, estavam preenchidas com todas as pessoas da família, etc. Mas fazer esta coisa que é tão simples que entra pelos olhos dentro de qualquer pessoa, passou a ser um ponto de comparação, portanto aumentou imenso. Fazia me lembrar que há muitos anos um presidente da Câmara me preocupado com as questões da segurança e um colega seu jornalista, perguntou lhe então mas que se passa aqui que só com a taxa de homicídio duplicou? Sabemos que aconteceu. Conta quantas vítimas é que houve o ano passado matar uma pessoa. Este ano mataram duas. Facto heróico. Agora reparo uma coisa a dizer duplicou de um para dois ou três e duplicou. Causa um alarme tremendo.

JORGE CORREIA (00:50:48) – Vamos fechar esta esta conversa. Como é que lida com os casos que que não tem solução ou que não consegue compreender?

CARLOS ALBERTO POIARES (00:50:58) – Quando se faz militância na ciência, sabemos sempre que há casos que não têm solução e que há casos que nós nunca compreenderemos.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:51:06) – Virão outras gerações que os compreenderão. Cabe nos ir produzindo conhecimento para facilitar que isso aconteça. Isto passa se nas ciências todas.

JORGE CORREIA (00:51:15) – Algum que lhe tenha ficado na sua memória ou que volta e meia apareça aí na cabeça, no fundo, a lembrar que ainda falta resolver aquilo.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:51:25) – Quando eu fui advogado e fiz a advocacia criminal, houve casos que nunca ficaram completamente esclarecidos. Ficaram com nebulosas muito grandes desde que abandonei essa função. Houve um caso que foi acompanhado por gente de uma equipa que eu tenho, em que eu fiquei. Por todos os dados que me foram transmitidos, pelas psicólogas que fizeram as entrevistas, por uma conversa que tive com informantes privilegiados, no caso família do arguido e pelas conversas com as minhas colegas ao longo do tempo. Eu ainda hoje estou convencido que, apesar das provas em tribunal que o acusado não era o autor do crime, era um homicídio.

JORGE CORREIA (00:52:16) – E a injustiça dói.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:52:18) – Mas também tenho a certeza, ou melhor, tenho uma grande desconfiança por tudo aquilo que ouvi essa pessoa e pelo que ouvi a pessoa da sua família.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:52:29) – O crime foi mesmo cometido lá em casa. Só que não foi por aquilo. Aquele assumiu. Porque o ponto de vista económico não produzia para que não fosse para a cadeia quem ganhava o sustento daquela gente toda. E esse caso muitas vezes ocorre me Estou a falar dele agora. Já se passou há muitos e muitos e muitos anos. É um caso que eu levo para estudo dos meus estudantes, algumas vezes dentro dos limites todos do sigilo e do anonimato. Isto é, é um caso que com o qual não me sinto completamente confortável. Minha intervenção aí foi receber o pedido de falar com o advogado, ouvir o advogado, ouvir a família, indicar duas psicólogas, uma que ainda somos parceiros para fazer o trabalho e depois falar com elas e tudo aquilo que me foi verbalizado, mais o que eu ouvi, as pessoas com quem falei, tive sempre essa dúvida. Só que há aqueles casos que é aquelas coisas que não passam daquilo que é uma uma hipótese de trabalho e neste caso não se confirmou. O tribunal deu o rapaz como como condenado, como culpado.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:53:40) – Foi condenado. Deve ter cumprido a pena, imagino eu. Mas não é um caso que na minha cabeça esteja resolvido. E se tiver condições e paciência para isso, talvez um dia escreva alguma coisa sobre este caso e outros casos, porque sabe. O tempo ensina nos uma coisa e quando se anda na justiça como advogado, aprendemos isso quando aliamos ao ser advogado. Eu fiz isso durante um período. O Estudarmos Psicologia testemunho traz nos outra realidade. E há uma coisa que para mim é muito clara a verdade judicial é apenas o que resulta provado em tribunal. E temos alguns exemplos históricos. Olhe a Terra, centro do mundo. É só dar a volta. Mas aquela mulher acusada de práticas judaicas que confessou e tal processo na Torre do Tombo, confessou que tinha parido sete gatos. É aquele processo, no princípio deste século, em que o juiz dava como não provado num quesito em ação cível, que tinha havido uma revolução em 5 de outubro de 1910, na cidade de Lisboa. Esta foi a verdade judicial e nós sabemos a verdade biológica científica.

CARLOS ALBERTO POIARES (00:55:01) – A verdade histórica é exactamente ao contrário. Mas isto são aquelas cifras negras com as quais não se pode fazer nada. Ficou provado. Pronto, não houve uma revolução a caminhar para os gatos. Há aqui uma diferença de época. A mulher tinha parido os gatos no século XVII. O caso da revolução é muito mais absurdo. Foi no século XX e o tribunal era de Lisboa. Mas cá o juiz tinha tirado férias. Foi a Praia das Maçãs e não se deu conta que tinha havido uma revolução.

JORGE CORREIA (00:55:33) – A verdade parece cada vez mais uma construção do que um valor absoluto. O que se aplica à justiça, tal como a outros lugares na vida. Será que a distopia deste mundo moderno começa a provar a estranha e absurda tese de que, ao invés de termos opiniões diferentes, assumimos que temos verdades diferentes? A minha verdade é diferente da tua verdade. É neste contexto onde florescem ideias alucinadas que se faz o caminho da propaganda moderna. É igual à de sempre, mas agora tem canais mais rápidos e mais anárquicos, já agora mais difíceis de controlar.

JORGE CORREIA (00:56:07) – Bem vindos ao vislumbre do insano caos. Ou estarei a ser muito pessimista até para a semana?

A palavra ódio mata? Carlos Alberto Poiares
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